O ano de 2020 se encerrou com o menor gasto do MEC (Ministério da Educação) em educação básica na década.
O governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) elencou a etapa como prioridade, mas o que se viu na pasta foi a redução de recursos, trocas de ministros e um maior protagonismo de pautas ideológicas.
O MEC gastou R$ 48,2 bilhões na educação básica no ano passado. O valor é 10,2% menor do que em 2019 e o menor desde 2010.
O cenário aparece em relatório de acompanhamento da execução orçamentária do ministério realizado pelo Movimento Todos Pela Educação.
Os dados são do Siafi (Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal) com atualização pela inflação. A pasta encerrou o exercício de 2020 com a menor dotação desde 2011, de R$ 143,3 bilhões.
“Em plena pandemia, com milhões de alunos sem poder frequentar as escolas e diante da queda expressiva das receitas vinculadas à educação, o MEC se mostrou ausente e incapaz de exercer sua função de apoio técnico e financeiro às redes de ensino”, afirma o documento.
Questionado, o MEC não respondeu.
A Folha já havia mostrado na semana passada que os investimentos da pasta, nos dois primeiros anos da atual gestão, foram os menores da década.
Enquanto o governo Bolsonaro investiu, no acumulado de 2019 e 2020, R$ 7,2 bilhões, o investimento foi de R$ 13,5 bilhões no mesmo período do governo anterior, de Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB).
Foram R$ 6,3 bilhões a menos nos investimentos, que são gastos direcionados à expansão da oferta de políticas públicas, como compra de equipamentos, insumos para laboratórios e obras. Não entraram na conta salários e custeio, esta última também em queda.
O relatório do Todos Pela Educação é focado na educação básica em 2020, marcado pela pandemia. Ao longo do ano, secretários de Educação cobraram o apoio do MEC para a manutenção das aulas remotas e a reabertura das escolas.
A única ação federal efetiva relacionada à Covid-19 voltada às escolas de educação básica foi o remanejamento de R$ 672 milhões para um programa que transfere dinheiro às unidades educacionais, o chamado PDDE (Programa Dinheiro Direto na Escola). Como comparação, esse montante não chega 15% do recurso que a educação básica perdeu no ano passado na comparação com o ano anterior.
Estados e municípios concentram as matrículas da educação básica, mas a União, com maior capacidade de arrecadação, tem a obrigação de dar suporte técnico e financeiro.
A pasta também não ofereceu, por exemplo, uma plataforma de conteúdos ou financiou a conexão de alunos pobres (com exceção de projeto voltado a estudantes de universidades e institutos federais).
“Um dos possíveis motivos para o saldo negativo na educação básica”, diz o relatório, “foi a ausência de créditos extraordinários destinados especificamente para as redes de ensino enfrentarem os efeitos da pandemia”.
Em 2020, o governo retirou R$ 1,4 bilhão do MEC para financiar obras federais gerenciadas por outras pastas. Como a Folha mostrou, o impacto maior da medida foi na educação básica e ensino profissional.
A presidente do Todos Pela Educação, Priscila Cruz, diz que, além da ausência durante a pandemia do coronavírus, houve um prejuízo em políticas estruturantes. Ela cita o esvaziamento de apoio à expansão de escolas de tempo integral, à reforma do ensino médio e à implementação da Base Nacional Comum Curricular.
“Continuidade não é capricho, é exigência para que os resultados aconteçam”, diz. “Esse tipo de ruptura é como um efeito dominó para trás. Somado à pandemia, o governo está provocando uma tempestade perfeita para a educação básica.”
Para Cruz, apenas com uma mudança na configuração de lideranças do ministério haverá condições de melhorar o quadro.
“É um misto de omissão, inépcia, completo descaso, e que vem acompanhado de outra observação”, diz. “Os esforços do MEC não estão voltados para a melhoria da educação básica, mas para o uso ideológico da máquina estatal naquilo que chamam de ‘revolução cultural’.”
O filho do presidente e deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) chegou a ressaltar que o principal papel do ex-ministro Abraham Weintraub era o de líder nesse combate contra temas considerados de esquerda.
Weintraub acumulou polêmicas ideológicas -o que já havia sido a marca de seu antecessor no governo, Ricardo Vélez Rodriguez.
Figuram com destaque na agenda do MEC a expansão de escolas cívico-militares, modelo questionado e ainda com baixo impacto na etapa como um todo, a educação domiciliar e, no ensino superior, tentativas de reduzir a autonomia das universidades federais na escolha dos reitores.
O Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), ligado ao MEC, constituiu em 2019 uma comissão para fazer uma triagem ideológica de questões do Enem. As duas edições do exame sob Bolsonaro ignoraram a ditadura militar em suas questões, o que não acontecia desde 2009.
Questões censuradas nunca foram divulgadas, mas parecer da comissão mostra que foi sugerido a troca do termo “ditadura” por “regime militar” em um item da área de Linguagens. O parecer foi divulgado pelo jornal O Globo e confirmado pela Folha.
O MEC lançou neste mês, já com Milton Ribeiro como titular da pasta, um novo edital para a aquisição de livros didáticos em que retira como critério de exclusão de obras aquelas que não contemplarem a “agenda da não violência contra a mulher” e a temática de gênero igualitária, “inclusive no que diz respeito à homo e transfobia”. Esses critérios de exclusão estavam na última versão do edital, de 2019.
O atual, também voltado aos anos iniciais do ensino fundamental, não trata da questão de gênero e só fala de forma genérica em respeito a todos os brasileiros, “homens e mulheres” de diferentes matrizes culturais. Além disso, o desrespeito a esses princípios não é mais passível de desclassificação.
O MEC e o Inep também não responderam os questionamentos da reportagem sobre o Enem e o edital do PNLD (Programa Nacional do Livro Didático).