Somente a restauração de APPs (Áreas de Proteção Permanente), como áreas de nascentes, margens de rios e topos de morros, pode elevar em até 22% a vegetação do estado de São Paulo, o que representa cerca de 1,2 milhão de hectares de mata atlântica e cerrado.
Mesmo com tamanha recuperação, uma parcela expressiva dos municípios do estado permanecerá com menos de 20% de matas em seu território.
O dado é resultado de uma análise feita pelo Geolab, laboratório de planejamento de uso do solo e conservação da USP, em parceria com a Fundação SOS Mata Atlântica.
“O que vimos é que a restauração das APPs faz uma grande diferença para a vegetação nativa de São Paulo, mas, para algumas regiões, especialmente do noroeste e oeste do estado, ainda é insuficiente”, diz Luís Fernando Guedes Pinto, um dos autores da pesquisa, diretor de conhecimento da Fundação SOS Mata Atlântica e membro da Rede Folha de Empreendedores Sociais.
Municípios na região de Ribeirão Preto, Piracicaba e Paranapanema, ou seja, no Oeste Paulista, atualmente têm vegetação nativa abaixo de 10%, sendo assim considerados como totalmente desflorestados.
Dependendo da cidade, porém, a recomposição completa das APPs leva a um salto de vegetação, como nos casos de Santa Branca, Arapeí, Lorena, Tremembé e Cachoeira Paulista. Outros exemplos são Potim e Canas, que sairiam de 6% e 11% de vegetação nativa para 21% e 24%, respectivamente, em caso de recuperação total de APPs.
“Podemos enxergar o estudo como um copo meio cheio ou meio vazio”, afirma Kaline de Mello, uma das autoras da pesquisa, pesquisadora da USP e professora da Unesp-Rio Claro.
“Ao mesmo tempo que o estudo mostra o potencial de restauração florestal no estado com o simples cumprimento da lei, mostra também a situação preocupante de que há cerca de 768 mil hectares de áreas de preservação permanente que deveriam estar conservadas, e não estão.”
O ganho de vegetação, porém, pode ser menor –em torno de 14%, mais de 760 mil hectares, para todo o estado– caso os proprietários optem pela chamada regra da escadinha. Nela, como consta no Código Florestal de 2012, a recuperação de APPs pode ser proporcional ao tamanho da propriedade. Dessa forma, propriedades menores podem restaurar menos.
Considerando áreas rurais consolidadas (com ocupação comprovada) até 22 de julho de 2008, é permitida nas APPs a continuidade de atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural.
De toda forma, o Código Florestal determina que os proprietários são obrigados a restaurar áreas de APPs em suas terras.
Essas áreas são de extrema relevância pelo potencial impacto que têm no abastecimento hídrico e na qualidade da água que chega às cidades. Já no caso de morros, a vegetação nessas áreas é importante para evitar deslizamentos e assoreamento de rios.
As estimativas feitas pela USP e pela SOS Mata Atlântica levaram em conta as determinações do Programa Agro Legal, que regulamenta, no estado de São Paulo, o Código Florestal. O Agro Legal entrou em vigência em setembro do ano passado, quando foi publicado no Diário Oficial do estado (decreto 65.182).
Segundo a análise, só 104 (16%) municípios paulistas têm 30% ou mais de vegetação nativa atualmente. As restaurações em escadinha e total elevariam esse número para 134 e 160, respectivamente. Essas áreas estão concentradas no sul e na região litorânea do estado.
O valor de 30% é a taxa recomendada para manter o equilíbrio ecossistêmico na mata atlântica, aponta o estudo. Levando em conta só os municípios com mata atlântica, 18% têm vegetação igual ou maior que 30%. A porcentagem de municípios nessa situação saltaria para 28% em caso de restauração total das APPs.
Vale lembrar que a mata atlântica é o bioma mais devastado do Brasil, restando somente pouco mais de 12% de vegetação nativa. É na área de ocorrência desse bioma que se concentra a maior parte da população no país, mais um fator que pode gerar pressão sobre a mata –que viu o desmatamento crescer 27% de 2018 a 2019, em relação ao período anterior.
Os dados do estudo mostram que a situação do cerrado –que também sofre com perdas elevadas de vegetação nativa anualmente em todo o país– é mais crítica em São Paulo. Somente 5% dos municípios com o bioma têm vegetação nativa maior ou igual a 30%. O valor saltaria para 15% no cenário de restauração total.
“Depois de quase dez anos, o Código Florestal vai chegar lá na ponta”, diz o especialista da Fundação SOS Mata Atlântica. “O programa Agro Legal é a implementação do Código Florestal em São Paulo, finalmente. Desde 2012 continuamos nas etapas de regulamentação, que é criar as regras para poder implementar.”
Ou seja, torna-se possível agora a recuperação de APPs e a recomposição de Reservas Legais, que são áreas de floresta nativa que devem ser mantidas nas propriedades privadas.
“A restauração total só vai acontecer se tivermos incentivos, pagamentos por serviços ambientais”, diz Guedes Pinto, que aponta que a situação atual não é de incentivo suficiente. “Para restaurar a APP inteira tem que haver incentivos concretos.”
A pesquisadora Kaline de Mello também aponta esse tipo de incentivo essencial para recuperações completas. Ela cita o Crédito Verde, pagamentos por serviços ambientais e o Protocolo Etanol Mais Verde como políticas que podem servir de incentivo para restauração.
O especialista afirma que a recuperação total de APPs tem dois impactos esperados. O primeiro é o aumento na biodiversidade, o que é importante para polinização, por exemplo, e, consequentemente, tem impacto econômico. O segundo, e não menos importante, é a questão da água.
“A grande fonte que financiaria um pagamento da recuperação inteira seria o interesse do estado em proteger a água”, afirma Guedes Pinto.
O estudo, inclusive, avaliou também a situação de vegetação em relação a corpos d’água –mais especificamente, unidades de gerenciamento de recursos hídricos.
As bacias do oeste são as mais preocupantes, com algumas deles com taxas de vegetação nativa próximas a 10%, como é o caso do Baixo Tietê, Baixo Pardo Grande e Turvo Grande. Nesse casos, mesmo com a recuperação de APPs, os valores não devem chegar a 30% de vegetação nativa.