Que campanha eleitoral teremos no campo de valores e princípios no momento em que o país vivencia uma das maiores crises sanitárias de sua história? A se considerar que a política, nos tempos modernos, passa a se guiar mais por critérios racionais, impostos por uma consciência crítica e menos por um ordenamento determinado pelo marketing, a resposta sinaliza para este foco: os candidatos, em sua grande maioria, prometerão mudança nos padrões da política, sob o compromisso de realizar melhor do que os adversários as demandas do eleitorado.
Exemplo é o que vimos na Convenção Democrata, nos EUA, na semana que passou, quando Joe Biden foi posicionado pelos correligionários como o perfil ideal para a vida dos norte-americanos.
A “verdade”, nesses tempos de mentiras, especulações e versões estapafúrdias, estará no centro do discurso. Muitos tentarão usar esse valor para desconstruir o perfil do adversário e mostrar o ambiente de mentiras que o cerca e, desse modo, aparecer como o candidato legítimo e autêntico. Acontece que o fio a separar o falso do verdadeiro em matéria de política brasileira é muito tênue.
A sucessão de escândalos e denúncias envolvendo grupos, representantes e partidos, nos últimos anos, praticamente os torna muito próximos. A verdade usada contra o opositor causa suspeição no meio da maré de engodo. O que pode resultar em uma canibalização recíproca, um corroendo o outro. O valor da verdade tem que ver com a condição do emissor (credibilidade do candidato), do momento e das circunstâncias (uso político em campanha), da situação do receptor (eleitores vacinados contra o oportunismo) e dos meios usados (programas eleitorais).
As figuras mudam tanto de posição e de cores quanto um caleidoscópio. O político demonizado de hoje pode ter sido o anjo de ontem e vice-versa. O que, então, impactará o eleitor e corroborará sua decisão de votar em determinado candidato?
Para uma parte do eleitorado, o velho discurso ainda terá vez: arrumar recursos para construir casas, escolas, postos de saúde, praças de lazer, nos bairros; outra parte tentará polarizar o discurso, nacionalizando a campanha, e azeitando os ânimos do cabo de guerra, entre alas bolsonaristas e oposicionistas. A micropolítica ao lado da macropolítica.
A batalha eleitoral entrará no terreno tecnológico das mídias eletrônicas sociais e estas passarão a substituir a concentração de multidões em praças públicas, laçando indistintamente grupos, classes e categorias profissionais. Nem se pode dizer que as campanhas se tornarão mais interessantes. A descrença na política é geral. Capítulos do passado foram escritos a ferro e fogo, deixando rastros de violência, e até com tiroteios em palanques e assassinato de candidatos.
Mas é possível prever que o discurso debochado, recheado de graça ou verve, cederá lugar a um palavrório mais sério e contundente. O País precisa avançar na direção de uma comunidade política mais ética e participativa.
Escrito por: Gaudêncio Torquato | Jornalista, professor e consultor político