O parecer do Tribunal de Contas ainda tem que passar por votação da Assembleia Legislativa, onde o governo costuma formar maioria
O TCE-SP (Tribunal de Contas do Estado de São Paulo) votou nesta quarta-feira (23) pela aprovação com ressalvas das contas do governador João Doria (PSDB) referentes ao ano de 2020, sinalizando ao estado que faça ajustes para evitar a explosão de gastos com pessoal e do rombo na Previdência nos próximos anos.
Esses dois pontos são considerados internamente no TCE como “bombas-relógio” para as finanças do Governo de São Paulo.
Além disso, foi cobrada transparência nos gastos do Instituto Butantan com a Coronavac. O relatório foi elaborado pelo conselheiro Dimas Ramalho, com base em análises do corpo técnico do órgão, e seu voto aprovado por unanimidade.
Detalhamento na despesa para importação de 6 milhões de doses da Coronavac foi um dos pontos questionados pelo relator.
Em seu voto, ele disse que foram encaminhadas diversas notificações para que o governo esclarecesse os custos da vacina, mas foi alegado que, em virtude das cláusulas de sigilo, o Instituto Butantan estaria em tratativas com a empresa Sinovac para divulgar as informações.
O relator, no entanto, entende que as informações são relacionadas a gastos públicos e têm que ser prestadas. Solicitou que o governo, a Fundação e o Instituto Butantan forneçam os dados.
“O papel exercido pela Fundação Butantan foi reconhecido por esta corte como sendo de ‘fundação de apoio’ às atividades exercidas pelo Instituto Butantan, (…) razão pela qual não poderia se abster de prestar os esclarecimentos requisitados”, afirmou.
Após a leitura do voto do relator, o conselheiro Renato Martins Costa disse que “o governo do estado tem que prestar atenção no que acontece esses dias no governo federal” -uma menção às suspeitas de irregularidades na compra da vacina indiana Covaxin. Pediu que a gestão seja transparente na questão dos gastos.
Os conselheiros elogiaram, contudo, o Butantan e a disposição do governo João Doria de se antecipar ao governo federal na produção e fornecimento de vacinas para o coronavírus no país. “[O Butantan,] Por ter uma situação organizada, preparada, com história, pôde enfrentar tudo isso”, disse o decano Roque Citadini.
O parecer do Tribunal de Contas ainda tem que passar por votação da Assembleia Legislativa, onde o governo costuma formar maioria.
Entre as ressalvas apontadas em seu voto, o relator Dimas Ramalho pede que a gestão realize e divulgue estudos específicos sobre a necessidade de pessoal para cada órgão, “em virtude do envelhecimento e perspectiva de aposentadoria do quadro de pessoal do Poder Executivo”.
Também determina que “reduza gradativamente as despesas com pessoal, a fim de que o índice seja reconduzido a patamar que não demande a emissão de alertas”.
Uma das preocupações do TCE é que o governo terá que passar a computar como gasto com pessoal, nos próximos anos, despesas com a mão de obra que presta serviços em atividades-fim para o terceiro setor –por exemplo, para as organizações sociais na área de saúde.
Isso irá pressionar o estado nos limites previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal, que se ultrapassados impõem uma série de restrições à gestão.
“O estado de São Paulo não exerce nenhum tipo de controle que permita segregar os valores referentes ao pagamento da mão de obra (salários e encargos) de cada contrato terceirizado, embora haja constrição legal para que se identifique especificadamente, nos documentos fiscais, os valores e encargos relativos ao pessoal necessário à execução do contrato”, diz o relator, em seu voto.
O governo também deverá encaminhar, na visão do TCE, à Assembleia Legislativa um projeto de lei que migre servidores do regime de Previdência do serviço público para a privada.
Segundo o relatório do TCE, “as medidas previstas na reforma previdenciária se mostram insuficientes, mesmo a longo prazo, bem como o desenvolvimento de ações para cumprir as recomendações desta corte de contas tem se mostrado lento e com muitas outras vulnerabilidades”.
A reforma da Previdência de SP foi sancionada em março do ano passado e criou desgastes de Doria com servidores públicos. Houve confusão e quebra-quebra durante a votação da proposta na Assembleia Legislativa.
O Ministério Público de Contas, por sua vez, pediu que as contas do governador fossem rejeitadas. Segundo o procurador-geral do MPC-SP, Thiago Pinheiro Lima, situações problemáticas têm sido reiteradas ao longo dos últimos anos. A principal dela são renúncias de receitas por meio de benefícios fiscais.
No voto do relator, essas renúncias viraram uma ressalva ao governo. É pedido que as renúncias sejam vinculadas a políticas públicas de promoção da competitividade e fomento ao desenvolvimento econômico e social. Também é determinado que o governo se abstenha em conceder esses benefícios por decreto.
“Em que pesem as recomendações e determinações deste Tribunal, a administração estadual permanece sem mecanismos de planejamento e controle para tratar das renúncias de receitas como gastos tributários que são”, disse Dimas Ramalho.
“Renúncia de receita deve ser tratada como despesa pública, e, portanto, precisam estar sujeitas aos mesmos controles, monitoramento e transparência, além de estarem embasadas no interesse público”, disse. Também foram aplicadas ressalvas em relação a gastos com a educação.
Representando o governo, o procurador do estado Luiz Menezes Neto pediu para ser considerado que, devido à pandemia, a gestão “teve de administrar inúmeras dificuldades, entre elas a urgência no atendimento da população, o que muitas vezes obrigou o atendimento imediato às vítimas”.
Segundo ele, isso gerou “infundadas críticas, pois todos os preopinantes reconheceram o superávit da execução orçamentária alcançado”.
Ele afirmou que questões como a das renúncias fiscais já estão recebendo providências e disse que havia esforço para a solução de outros problemas.
Essa é a segunda conta da gestão João Doria no governo de São Paulo analisada pelo TCE. No ano passado, o órgão votou pela aprovação das contas de 2019 do governador, também com ressalvas.