quinta-feira, 26 dezembro 2024

Pressão externa, envelhecimento populacional e ritmo do PIB devem determinar futuro do PC Chinês

A ascensão econômica na última década, a conquista do posto de segunda maior economia do mundo e a expectativa de passar os Estados Unidos nos próximos anos colocaram a China na mira do Ocidente 

A forma como os países vão lidar com isso deve ser determinante para o futuro do Partido Comunista Chinês ( Foto: Divulgação/ Fotos públicas)

Há 100 anos, em 23 de julho de 1921, 12 dos cerca de 50 membros do Partido Comunista Chinês se reuniram em Xangai no primeiro Congresso Nacional da legenda –episódio que é tido por especialistas como data real de fundação da sigla que comanda a China há sete décadas.

E daqui a 100 anos, onde estará o partido? Isso dependerá de um complexo cenário que vai da crescente pressão externa contra a China aos desafios econômicos do endividamento e envelhecimento da população, segundo especialistas ouvidos pelo jornal Folha de S.Paulo.

“Se a gente estivesse em Xangai em 1921 e tentasse fazer esse jogo de prever os próximos 100 anos, ninguém teria acertado”, brinca Mauricio Santoro, professor de relações internacionais da Uerj (Universidade do Estado do RJ).

Isso porque o partido que governa um dos países mais poderosos do mundo teve um século especialmente conturbado.

Venceu um conflito contra o Japão, passou por uma guerra civil contra forças nacionalistas, enfrentou uma crise de fome no governo Mao que matou na casa das dezenas de milhões, teve suas bases e crenças reviradas na Revolução Cultural e tirou 800 milhões de pessoas da pobreza desde o fim dos anos 1970, com as reformas lideradas por Deng Xiaoping. Como se não fosse suficiente, ainda foi o epicentro da pandemia da Covid-19.

A ascensão econômica na última década, a conquista do posto de segunda maior economia do mundo e a expectativa de passar os Estados Unidos nos próximos anos colocaram a China na mira do Ocidente.

A forma como os países vão lidar com isso deve ser determinante para o futuro do Partido Comunista Chinês, na avaliação do professor de relações internacionais Gustavo Feddersen, doutor pela UFRGS (Universidade Federal do RS).

Para ele, o partido vai se fortalecer “e com certeza ficar no poder por mais de 100 anos” se a população do país perceber a pressão capitaneada pelos EUA como “um ataque ao povo chinês e à possibilidade de a civilização chinesa se reerguer e reassumir seu papel de grande potência mundial”, diz.

A avaliação vem do fato de que um dos pontos em que o PC Chinês apoia sua legitimidade vem da recuperação da dignidade do país após o século da humilhação, como os chineses chamam o período entre meados do século 19 ao 20 em que potências estrangeiras introduziram o ópio e ocuparam e saquearam a China.

Na visão do pesquisador, uma ameaça de nova subjugação do povo chinês pode dar mais poder ao PC, que ainda detém o chamado “mandato celestial”, conceito da filosofia política chinesa segundo o qual governos são legítimos (ou “abençoados pelo céu”) enquanto cumprirem seus propósitos e forem justos.

Tem ganhado força entre analistas outra visão de que a pressão internacional será mais efetiva se mudar de estratégia: não atacar o povo, a cultura ou eventualmente nem o partido em si, mas alvos específicos, como Xi Jinping e a corrupção da classe política.

“Grande parte da classe média apoia e reconhece a importância do partido, mas não está contente com os benefícios e regalias de políticos, querem mais transparência e prestação de contas, questionam a corrupção e o abuso de autoridade”, diz Feddersen.

Essa estratégia de atacar alvos específicos foi exposta em um estudo do Atlantic Council, think-tank americano focado em relações internacionais, que diz que o alvo devem ser “Xi e seu círculo próximo, mirando a mudança de seus objetivos e comportamentos”, porque “as elites do partido estão muito mais divididas sobre a liderança de Xi do que é dito abertamente.”

Xi Jinping voltou a concentrar poder em suas mãos, “muito mais que seus antecessores, que governavam basicamente como um regime autoritário coletivo, com a cúpula do partido mandando no país”, diz Santoro. Essa concentração de poder pode ter efeitos no futuro, com a burocracia do partido criando mecanismos para evitar que surja um novo líder tão poderoso quanto o atual mandatário.

Analistas têm considerado determinante para o futuro da China a gigante classe média do país –projeções apontam que em 2030 mais de 70% da população poderá ser considerada de classe média, e 35% de classe média alta, ou mais de 500 milhões de pessoas.

É um grupo que, “com melhores níveis educacionais costuma fazer outros países questionarem ditaduras”, diz Santoro. Por outro lado, “muitos chineses associam o breve flerte democrático no começo do século passado com a fragmentação do país, então haverá cautela histórica e cultural em relação a isso”, diz ele.

Santoro crê que, para aplacar anseios desse grupo, é possível que o partido tente algum tipo de adaptação em seu sistema pelo menos em grandes cidades. “Mas o que a gente aprendeu com a China é que nada é de uma hora para outra.”

Uma abertura política não significa que traria ao sistema grupos democráticos opositores do PC Chinês, diz Santoro. “É perfeitamente possível vislumbrar partidos hipernacionalistas, explorando xenofobia e conflitos com povos estrangeiros”, diz ele

Outro ponto de atenção que pode influenciar no futuro do partido na China é o envelhecimento da população, que cresce no menor ritmo desde pelo menos os anos 1950, após décadas de controle de natalidade com a política do filho único, suspensa a partir de 2015. Isso traz dois desafios diretos, a escassez de mão de obra de um lado e a questão previdenciária de outro.

“O problema da aposentadoria vai dar muita dor de cabeça ainda, porque o país não enriqueceu o suficiente para bancar essa população envelhecida, como o Japão e outros países da Europa”, diz o professor. Projeção da Academia Chinesa de Ciências estima que em 2035 o fundo de pensão do país não terá recursos para pagar a aposentadoria de idosos.

Ainda na parte econômica, o endividamento público, que cresceu sobretudo depois da crise de 2008, associado a uma queda no ritmo de crescimento, pode trazer mais dificuldades.

Após crescer 14,2% em 2007, o PIB chinês desacelerou, ainda que tenha mantido alta sustentada entre 7% e 6% na última década. “Uma coisa é você manter o controle da sociedade em nome da prosperidade e crescer acima de 10% ao ano, outra é crescer 6%, 7%”, conclui . 

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