A prática de centenas de anos nas Ilhas Faroé está agora em xeque
A prática da caça de golfinhos nas Ilhas Faroé (território autônomo da Dinamarca) está em xeque depois da morte de mais de 1.400 dos mamíferos, um patamar de captura recorde. O grupo de golfinhos-de-faces-brancas foi conduzido para o maior fiorde do território do Atlântico Norte no domingo (12).
Os barcos os levaram os animais até águas rasas na praia Skalabotnur em Eysturoy, onde foram mortos a faca. As carcaças foram transportadas para a terra e distribuídas aos moradores para consumo. Os registros desse dia mostram golfinhos se debatendo nas águas, que ficaram vermelhas de sangue enquanto centenas de pessoas assistiam da praia.
Conhecida como grind (ou Grindadrap em feroês), a caça de mamíferos marinhos (principalmente baleias) é uma tradição praticada há centenas de anos nas remotas Ilhas Faroé. O governo das Ilhas Faroé afirma que cerca de 600 baleias-piloto são capturadas todos os anos, em média. Os golfinhos-de-cara-branca são capturados em números menores, como 35 em 2020 e 10 em 2019.
Para os defensores da prática, a caça aos mamíferos marinhos é uma forma sustentável de coletar alimentos da natureza e uma parte importante de sua identidade cultural. Ativistas pelos direitos dos animais, por outro lado, consideram o massacre cruel e desnecessário.
A caça de domingo não foi diferente, e diversos grupos conservacionistas internacionais criticaram os caçadores pela matança. Mas a escala da quantidade de animais mortos na praia de Skalabotnur chocou muitos moradores e recebeu críticas até de grupos envolvidos na prática.
Segundo Bjarni Mikkelsen, biólogo marinho das Ilhas Faroé, os registros mostram que este foi o maior número de golfinhos já morto em um dia no território autônomo da Dinamarca. Ele disse que o recorde anterior era de 1.200 em 1940. As seguintes foram de 900 em 1879, 856 em 1873 e 854 em 1938, segundo Mikkelsen.
Em entrevista à BBC, o presidente da Associação de Baleeiros das Ilhas Faroé, Olavur Sjurdarberg, admitiu que a matança foi excessiva. “Foi um grande erro”, disse Sjurdarberg, que não participou da caçada. “Quando o grupo foi encontrado, eles estimaram que eram cerca de 200 golfinhos.”
Somente quando o processo de matança começou, eles descobriram o verdadeiro tamanho do grupo. “Alguém deveria ter avaliado melhor”, disse Sjurdarberg. “A maioria das pessoas está em choque com o que aconteceu.”
Mesmo assim, de acordo com Sjurdarberg, a captura foi aprovada pelas autoridades locais e nenhuma lei foi infringida. Essas caças são regulamentadas nas Ilhas Faroé. Elas não são comerciais e são organizadas pela comunidade, geralmente de forma espontânea quando alguém avista um grupo de mamíferos. Para participar, os caçadores devem ter um certificado oficial de treinamento que os habilite a matar os animais.
‘Legal, mas não popular’
Matar golfinhos-de-faces-brancas é “legal, mas não é popular”, disse Sjurdur Skaale, deputado dinamarquês das Ilhas Faroé. Ele visitou a praia de Skalabotnur para falar com os habitantes locais no dia seguinte à caça. “As pessoas ficaram furiosas”, segundo os relatos que o deputado disse ter ouvido.
Ainda assim, o representante político defendeu a caça, que disse ser “humana” se feita da maneira correta. Ela envolve uma lança especialmente projetada, que é usada para cortar a medula espinhal da baleia ou do golfinho antes do pescoço ser cortado.
Usando esse método, deve levar “menos de um segundo para matar uma baleia”, disse Skaale. “Do ponto de vista do bem-estar animal, é uma boa maneira de matar a caça, muito melhor do que manter vacas e porcos presos”, defende.
O grupo ambientalista Sea Shepherd contestou essa declaração, argumentando que “a matança de golfinhos e baleias-piloto raramente é tão rápida quanto o governo das Ilhas Faroé afirma”.
“As caçadas de Grindadrap podem se transformar em massacres prolongados e frequentemente desorganizados”, diz o grupo. “As baleias-piloto e golfinhos podem ser mortos por longos períodos na frente de seus parentes enquanto estão encalhadas na areia, nas rochas ou apenas lutando em águas rasas.”
Pesquisas de opinião apontam que a maioria das pessoas se opõe ao massacre em massa de golfinhos nas Ilhas Faroé. No domingo, a reação nacional foi “de perplexidade e choque por causa do número extraordinariamente grande (de animais mortos)”, disse Trondur Olsen, jornalista da emissora pública faroense Kringvarp Foroya.
“Fizemos uma pesquisa rápida ontem perguntando se deveríamos continuar matando esses golfinhos. Pouco mais de 50% disseram não, e pouco mais de 30% disseram sim”, afirmou Olsen. Em contraste, uma outra pesquisa apontou que 80% dos entrevistados defendiam a continuidade da matança de baleias-piloto.
Pesquisas como essas fornecem um retrato da opinião pública em relação à caça de mamíferos marinhos. As críticas à caça nas ilhas Faroé aumentaram e diminuíram ao longo das décadas. A caça volta aos holofotes de vez em quando, como aconteceu com o popular documentário Seaspiracy – Mar Vermelho, lançado pela Netflix no início de 2021.
Desta vez, porém, os moradores locais dizem que a reação (especialmente dentro da comunidade baleeira) foi extraordinariamente forte. “Tem havido muita atenção internacional. Minha suspeita é que as pessoas estão se preparando para uma grande reação negativa”, disse Olsen. “Este é um bom momento para os ativistas colocarem ainda mais pressão. Desta vez é diferente porque os números (de animais mortos) são grandes demais”, acrescentou.