A realização final do evento ainda depende de autorização dos órgãos municipais de saúde e de que, pelo menos, 70% dos paulistanos já estejam vacinados completamente
De olho nos desfiles de Carnaval de 2022 no Sambódromo do Anhembi, na zona norte da capital paulista, as escolas de samba de São Paulo estão retornando os ensaios de baterias em suas quadras, de forma presencial e com obrigatoriedade do comprovante de vacinação contra Covid-19.
Todas as 14 agremiações do Grupo Especial já definiram seus sambas-enredos para o Carnaval, que já teve autorização da Prefeitura de São Paulo, gestão Ricardo Nunes (MDB), para iniciar os preparativos dos desfiles na avenida. Apesar disso, a realização final do evento ainda depende de autorização dos órgãos municipais de saúde e de que, pelo menos, 70% dos paulistanos já estejam vacinados completamente.
A Rosas de Ouro, da Freguesia do Ó (zona norte da capital paulista), iniciou os ensaios da bateria na noite da última segunda-feira (20) seguindo protocolos de segurança.
“Nossa bateria está se preocupando muito com os protocolos de segurança e saúde. Todos são obrigados a apresentar o comprovante de vacinação para ensaiar, além da obrigatoriedade do uso de máscaras e respeito do distanciamento”, diz mestre Rafa Oliveira, comandante da bateria da Rosas.
A escola terá como enredo “Sanitatem”, palavra em latim que significa cura. Segundo a agremiação, os rituais e caminhos até a cura serão apresentados no Sambódromo.
“O samba conforta e alivia. A expectativa é que a vacinação aumente e os casos diminuam para que o Carnaval seja maravilhoso. Já temos quatro arranjos preparados e vamos derrubar o Anhembi [risos]”, destaca Rafa, que também comandou a bateria no Carnaval de 2020.
Para Soraya Smaili, farmacóloga da Unifesp e coordenadora do Centro de Saúde Global e do Centro SOU Ciência, ainda é cedo para falar em Carnaval. “Acredito que ainda não é momento de falar nisso, mas em uma situação como do sambódromo, os desfiles podem ser planejados como um evento-teste ou algo do tipo”, diz.
A Mocidade Alegre, do bairro do Limão (zona norte), começou os ensaios da bateria no dia 15 de setembro, e também exige o passaporte da vacina de seus integrantes.
“Pedimos a carteira digital de vacinação para todos os integrantes da bateria”, destaca mestre Sombra, responsável pela bateria da Mocidade.
“Perdemos amigos que estavam resistentes à vacina e pegaram a doença, não queremos isso. Queremos que a vida continue. Torcemos pela alegria e prosperidade”, completa.
A escola de samba escolheu o enredo “Quelémentina, Cadê Você?”, uma homenagem à Clementina de Jesus (1901-1987), sambista carioca e que só pode começar sua carreira profissional como cantora aos 63 anos.
“É uma honra homenagear Clementina. É uma história muito rica de uma pessoa batalhadora e vencedora, e que trabalhou muito para a nossa cultura”, afirma Sombra.
Atual campeã do Carnaval, a Águia de Ouro, da Pompeia (zona oeste), retornou com a bateria no último domingo (19), também com a obrigatoriedade do comprovante de vacinação.
“O ensaio foi fechado apenas para os ritmistas e para poucas pessoas, sendo que todos tiveram que comprovar a vacinação. Tivemos cuidado com distanciamento, máscara e uso de álcool em gel”, diz Sidnei França, carnavalesco da Águia e que participou do inédito título da agremiação.
A escola de samba se prepara para entrar na avenida com o enredo “Afoxé de Oxalá – No ‘Cortejo de Babá’, Um Canto de Luz em Tempo de Trevas”, que, segundo a escola, traz uma mensagem de paz, fé, amor, respeito e esperança.
“O presidente [Sidnei Carriuolo] pediu um enredo que tratasse de positividade e paz. Tudo isso foi traduzido no tema, que traz uma personalidade africana toda particular através de Oxalá”, destaca França.
A Dragões da Real, da Vila Anastácio (zona oeste da cidade de SP), iniciou o ensaio específico da bateria no último dia 4 deste mês e já realizou três encontros, com obrigação da carteira de vacinação.
“A nossa expectativa é que os ensaios gerais sejam iniciados em novembro, mas prezamos pelo cuidado com os protocolos de saúde”, diz Renato Remondini Rodrigues, o Tomate, presidente da Dragões da Real.
A escola de samba mudou o enredo original, que falaria sobre a música “O Dia em que a Terra Parou”, de Raul Seixas, e agora terá “Adoniran”, uma homenagem ao cantor e compositor paulistano Adoniran Barbosa (1912-1982).
“Entendemos que o assunto ficou muito falado e poderia ser cansativo. Então o nosso carnavalesco Jorge Silveira sugeriu falar sobre o Adoniran. Entramos em contato com a família e eles adoraram a ideia. É o primeiro samba-enredo na nossa história que ninguém fez uma crítica sequer [risos]”, destaca o mandatário.
O samba-enredo, liderado pelo compositor Thiago SP, contou com parcerias de Alfredo Rubinato, neto de Adoniran, e do comediante Marcelo Adnet, entre outras.
“Eu venci o concurso do samba-enredo do ano passado e, como o tema foi modificado, a escola foi muito respeitosa e me convidou novamente. Foi um ano de fazer samba virtualmente”, diz o comediante.
“É uma honra homenagear o Adoniran, que é um personagem do João Rubinato, um imenso artista, radialista, músico, cantor, compositor e comediante. É uma figura que representa muito bem o Brasil, já que não tem uma instrução formal, mas tem uma imensa sabedoria popular”, celebra Marcelo Adnet.
Maior campeã do carnaval paulistano com 15 títulos, a Vai-Vai, do Bexiga (região central da cidade), vai entrar em quadra com o enredo “Sankofa”, uma ave sagrada africana que simboliza o ensinamento da mitologia Axante de que “nunca é tarde para voltar atrás e buscar o que ficou perdido”.
“Nessa pandemia, a escola de samba se preocupou muito com o lado social de quem trabalha com o Carnaval”, diz Claricio Gonçalves, presidente da Vai-Vai.
Carlinhos de Jesus celebra primeiro Carnaval em São Paulo Referência nacional da dança de salão e um dos principais nomes do Carnaval do Rio de Janeiro, Carlinhos de Jesus estará pela primeira vez nos desfiles de São Paulo em 2022 como novo coreógrafo da comissão de frente da Barroca Zona Sul, do Jabaquara (zona sul).
“No último Carnaval, eu tinha decidido parar, porque é muito trabalho e eu me entrego totalmente. Então recebi o convite da minha escola raiz, que é a ‘Em Cima da Hora’, do Rio de Janeiro, e, como uma coisa chama a outra, a Barroca me convidou para uma reunião”, diz Carlinhos, ao Agora.
“Logo que cheguei tive a agradável surpresa da escola ser verde e rosa, mesmas cores da minha amada [Estação Primeira de] Mangueira, e vi todo mundo de braços abertos. Então pensei: ‘daqui não saio’ [risos]. Contrariei inclusive a vontade da minha família, que queria que eu parasse. Estou muito feliz de fazer o Carnaval de São Paulo”, celebra o dançarino e coreógrafo com mais de 30 anos de carreira.
No próximo desfile, a Barroca escolheu o enredo “A Evolução vem da sua Fé… Saravá Seu Zé!”, que vai contar a história e as particularidades de Zé Pilintra, uma das mais importantes entidades em religiões de matriz africana.
“O tema me chamou muito a atenção. Esse orixá é muito significativo para o Carnaval, nesse sincretismo religioso e de tudo que ele representa”, destaca o coreógrafo.
“Eu vou querer ousar. Ainda não tenho em mente como vou executar, mas eu quero fazer uma coisa significativa dentro do enredo, elegante e a altura de São Paulo”, ressalta Carlinhos de Jesus.
O carioca da gema construiu uma trajetória como coreógrafo de comissões de frente em escolas cariocas como Portela, Estação Primeira de Mangueira, Beija-Flor e Unidos de Vila Isabel, mas também atuou como diretor artístico, jurado de prêmios, destaque de alegoria, passista, mestre-sala e até mesmo na posição de homenageado.
“Apesar de ser do Rio, tenho uma ligação muito forte com São Paulo desde criança. Inclusive tenho um apartamento na cidade, onde costumo passar alguns períodos. Agora, minha cachaça e meu oxigênio, que é o Carnaval, está em São Paulo. Então vou para a galera feliz da vida [risos]”, celebra.
Médicos adotam cautela O formato de Carnaval ainda está sendo discutido pela Prefeitura de São Paulo, que criou comissões para discutir a festividade, e pelos representantes da Liga Independente das Escolas de Samba de São Paulo. Além disso, a festa depende de aval final a ser avaliado conforme as condições epidemiológicas relativas à pandemia do Covid-19.
O médico sanitarista e ex-presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), Gonzalo Vecina, disse que os desfiles podem acontecer, mas com um rígido controle de vacinação.
“Acho que até pode ter alguma coisa, mas só podem participar pessoas vacinadas, tanto na arquibancada quanto nas escolas de samba”, afirma Vecina.
Hélio Bacha, médico infectologista e consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia, falou sobre a imprevisibilidade da doença. “Existe uma possibilidade de acontecer um Carnaval modificado, mas eu não tenho certeza de que em fevereiro estaremos tranquilos para a vida ter voltado ao normal”, diz.
Jorge Kayano, médico sanitarista e pesquisador do Instituto Pólis e Mauri Bezerra, adota cautela. “É importante priorizar a vacinação antes de pensar no Carnaval”, ressalta.