domingo, 24 novembro 2024

Dissabores narcísicos

Por Léo Rosa de Andrade 

As pessoas investem suas emoções em coisas, em valores, em outras pessoas. Ocorrem, pois, dores de emoção quando perdemos o aquilo sobre o que investimos, seja porque deixou de existir, seja porque não conseguimos mantê-lo. Perdas e abandonos doem.
Freud chama a isso de luto. O luto é sempre narcísico, ou seja, é dolorido porque dói no amor que se tem por si próprio. Sim, cada um de nós se ama a si mesmo acima de tudo, e não se conforma em perder ou ser abandonado. Nisso concorremos com as próprias divindades, que querem que todos as amem acima de todas as coisas.

Em psicanálise, narcisismo é o investimento exagerado da libido no próprio ego. Traduzindo, narcisismo é o eu sou o bom, o bonito e o gostoso, e só por isso me amo e, lógico, todos devem me amar. O narcisista enxerga pouco outras pessoas, não considera o derredor; gosta de se ver, faz-se referência de tudo; é o espelho do mundo.

Acaba confundido com o mal-amado, pois, ávido por atenção, parece que tem pouca. Não é o caso, ele tem a quota normal que todos recebemos, mas, havendo-se acima da conta geral, nunca o que lhe é dado é o que ele precisa, ou o que entende que lhe é de direito.

Isto descreve a aparência evidente do narcisista. É um tipo que já se conhece bem. Mas, vamos por partes: se tudo estivesse tão bem, inexistiria a compulsão narcísica. Se o narcísico se crê uma obra de arte, jamais estará satisfeito, porque nunca se achará suficientemente apreciado. No relacionamento amoroso, por exemplo, a admiração do seu par não será bastante. Espera homenagens além das possibilidades do um só que o ama; melhor se a turma o reconhecer, se o mundo o desejar. Caso isso não aconteça, o sujeito dá um jeito de exibir-se. Exibindo-se e não obtendo amor, torna-se arrogante: as pessoas seriam tolas; ou fica depressivo: não é reconhecido como deveria.

Suas ideias são as da salvação: diante das discordâncias, se o narcísico está em boa posição, dirige um olhar superior ao dissidente: age piedosamente com o ignorante que dele discorda, esse ignorante que jamais o alcançará. Se sua posição não está vantajosa, angustia-se na defesa do que só os néscios contestam.

Levanta-se, gesticula, torna-se a tonitruante voz da sabedoria. O futuro foi desenhado à sua própria imagem, e, nele, enquadrou quem está em volta. Planejou os ideais do consorte, a profissão dos filhos, a existência, enfim. Vai frustrar-se, evidentemente, então apontará um culpado.

Claro, sem amor-próprio, nos anulamos na opinião alheia; é muito tentador e arriscado dissolver-se nos cotejos cotidianos. O mundo dói: se escolhemos, dor pelo deixado; dor se não somos desejados; dor porque nossa juventude se esvai.

Parece, não gostam de nós: costumes são substituídos, ideias saem de moda, entes queridos morrem, sonhos são dissipados. Pois é, o mundo não vai nos servir, então, se não nos precatamos, toca-nos melancolia, um luto triste. 

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