Faz quase 20 anos desde que brasileiros concorreram pela última vez ao Oscar de melhor filme estrangeiro. Chegar até o prêmio máximo do cinema hollywoodiano, e ainda emplacar Fernanda Montenegro entre as indicadas a melhor atriz, foi a coroação da trajetória de “Central do Brasil”, filme que é marco da produção nacional.
A Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que começa em 18 de outubro, fará uma sessão especial de versão restaurada do longa para comemorar suas duas décadas, com participação do diretor Walter Salles, de Fernanda e de Vinicius de Oliveira, intérprete do menininho Josué, hoje com 33 anos.
Em 1998, o país ainda engatinhava em sua retomada do cinema, após a interrupção da produção durante o governo Collor, quando “Central do Brasil” apareceu.
Vinha de um diretor carioca, filho de uma das famílias mais ricas do Brasil, os Moreira Salles, que havia dirigido documentários e duas ficções, entre elas o elogiado “Terra Estrangeira”, de 1995.
“Central” não inovava na forma, mas trazia no âmago uma história bem-contada e que reverberava de forma especial no país que arrumava a casa no final dos anos 1990, pós-ditadura militar e pós-crise econômica.
A viagem de Dora (Fernanda Montenegro) pelo interior do país era também a alegoria de um povo que se reconectava e que voltava a se sensibilizar depois de décadas de trevas, como o próprio Salles disse, em entrevista recente à Folha. Já a de Josué, o menino cuja busca pelo pai ela acompanha, é a de um Brasil à procura da própria identidade.
Vagando de ônibus pelo Nordeste, a dupla encontrava as tradições centenárias das romarias no sertão convivendo com recém-pintadas casas pré-fabricadas, todas iguais e às dezenas, anunciando um país que mudava de maneira acelerada.
Ver o filme nos dias de hoje pode provocar alguma estranhamento: Dora ganhava trocos escrevendo cartas para analfabetos na estação carioca que dá nome ao longa. Linha telefônica era luxo.
“Central do Brasil” estreou no prestigioso Festival de Berlim e saiu do evento com o Urso de Ouro, o principal prêmio, e com uma estatueta para Fernanda.
Também levou os prêmios principais nas mostras de Havana e San Sebastián. No Globo de Ouro, a produção faturou a estatueta de melhor longa estrangeiro.
Já no Oscar de 1999, Fernanda perdeu para Gwineth Paltrow (“Shakespeare Apaixonado”) e o filme perdeu para “A Vida É Bela”, de Roberto Benigni. Foi a última vez que o país concorreu nessas categorias.
A Mostra de SP, um dos mais importantes eventos de cinema do país, também exibirá uma versão restaurada de “Pixote”, de Hector Babenco, além do novo filme de Lars von Trier, “A Casa que Jack Construiu”. O evento paulistano receberá ainda uma instalação em realidade virtual da artista multimídia Laurie Anderson.