A Polícia Federal cumpre na manhã desta quinta-feira (21) oito mandados de busca e apreensão para apurar supostos obstáculos às investigações do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e seu motorista, Anderson Gomes, que completa um ano em 14 de março.
O órgão entrou no caso em novembro do ano passado, quando começou uma “investigação da investigação”, paralela, para verificar denúncias de irregularidades no trabalho estadual. Quem está apurando a autoria e motivação do crime em si é a Polícia Civil e o Ministério Público do Rio.
A PF não deu mais detalhes sobre os endereços onde estão sendo feitas as buscas nem os resultados da operação. Informou apenas que a ação constitui “fase intermediária” de investigação sigilosa e foi autorizada pela Justiça estadual após ser submetida à Promotoria fluminense.
“Em razão das circunstâncias do caso e necessidade efetiva de manutenção do sigilo das investigações em curso, não haverá qualquer manifestação da equipe encarregada dos trabalhos até sua integral conclusão, quando serão informados os resultados diretamente ao Ministério Público e Poder Judiciário”, afirmou.
O Ministério Público do RJ confirmou o pedido dos mandados, mas também disse que eles estão sob sigilo para não atrapalhar a apuração. O Tribunal de Justiça respondeu que não tem acesso a informações sobre as medidas e que o caso corre em segredo de Justiça.
Marielle e Anderson foram mortos a tiros dentro do carro, quando retornavam de uma reunião política na Lapa (centro do Rio). Desde então, autoridades declararam que o caso estava perto do fim ao menos cinco vezes, mas poucas informações concretas foram divulgadas.
As “investigações das investigações” começaram após depoimentos colhidos pelo Ministério Público Federal indicarem um esquema voltado para impedir a elucidação do crime. A partir deles, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, solicitou a abertura do inquérito na PF.
O conteúdo desses depoimentos não foi revelado, mas o então ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, afirmou ao anunciar a medida que o suposto esquema envolveria “agentes públicos de diversos órgãos, milícias, organização criminosa e contravenção”.
Um dos delatores é o ex-policial militar e miliciano Orlando Oliveira de Araújo, o Orlando de Curicica, que acusou a Polícia Civil do Rio de ser paga para proteger matadores de aluguel e de coagi-lo a assumir a morte da vereadora.
Preso desde 2017, Orlando disse ao jornal “O Globo” em outubro, por meio de carta, que policiais da Delegacia de Homicídios da capital fluminense (que apura o caso) recebiam mesadas para não elucidar assassinatos cometidos por um grupo de matadores de aluguel formado por PMs da ativa e ex-policiais, apelidado de Escritório do Crime.
O então chefe da delegacia especializada, Rivaldo Barbosa, repudiou “a tentativa de um miliciano altamente perigoso, que responde a 12 homicídios, de colocar em risco uma investigação que está sendo conduzida com dedicação e seriedade”.
Em nota, ele afirmou na época que “ao acusado foram dadas amplas oportunidades pela Polícia Civil para que pudesse colaborar com as investigações do duplo homicídio dentro do estrito cumprimento da lei”.
Orlando é um dos investigados pela morte de Marielle e Anderson. Segundo essa linha de investigação, ele teria combinado o crime com o vereador Marcelo Siciliano (PHS) por supostas desavenças com a vereadora, relacionadas à exploração ilegal de terras na zona oeste do Rio.
Segundo uma testemunha -um PM do bando de Orlando que procurou espontaneamente a polícia-, os dois teriam se encontrado em um restaurante em 2017, onde o vereador disse que eles “precisavam resolver” um problema com Marielle e o deputado Marcelo Freixo (PSOL). Ambos negam essa versão.
Há quase um ano sem solução, o caso Marielle reflete a demorada e baixa elucidação de mortes violentas no Brasil.
Diferentes estudos estimam que só dois a cada dez desses crimes geram denúncias, embora não haja dados oficiais e a variação seja grande entre os estados. Segundo cálculo da socióloga Ludmila Ribeiro, da UFMG (Universidade Federal de Minas), que mediu em 2013 o tempo de inquéritos que originaram denúncias em cinco capitais, o caso ainda está dentro da média, de um ano e dois meses, mas está longe de grande parte das investigações, que é finalizada em quatro meses.