Um ano antes do rompimento da barragem B1, na mina Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), a Vale tentou propor que a consultoria responsável pelo cálculo do fator de segurança mudasse seus parâmetros. A empresa Potamos foi afastada quando negou a proposta.
Isso relatou a engenheira civil e consultora da Potamos Maria Regina Moretti à comissão parlamentar de inquérito da Assembleia Legislativa do estado, que apura a tragédia. A barragem rompeu no dia 25 de janeiro, deixando pelo menos 233 mortos. De acordo com a Defesa Civil de Minas Gerais, 37 pessoas continuam desaparecidas.
Moretti depôs à CPI na quinta-feira (25) e relatou que a mineradora questionava a base de cálculo que definiu o fator de segurança da barragem como sendo de 1,09. Segundo padrões internacionais, estrutura considerada segura tem fator igual ou maior a 1,3. Em 2017, outro estudo da Potamos atestou que a barragem B1 tinha fator de 1,06.
Moretti afirmou que a Vale pedia uso de novos dados que poderiam produzir um resultado diferente, com fator de segurança maior do que o constatado pela Potamos. A mineradora sugeria, por exemplo, uso de dados laboratoriais, que, de acordo com a engenheira, costumam gerar parâmetros mais elevados que os reais, razão pelas quais a Potamos só utilizaria dados coletados em campo.
A engenheira afirmou ainda que os dados laboratoriais apresentados pela Vale tinham problemas de execução, consistência e erros. “Como a gente não concordou em modificar essa metodologia de cálculo de parâmetro, acabamos sendo afastados do estudo”, afirmou ela.
A Vale substituiu a Potamos pela Tüv Süd, que fazia parte do mesmo consórcio. A empresa alemã refez os cálculos e também chegou a um fator de segurança de 1,09 para a B1. No entanto, a Tüv Süd aponta no relatório que 1,05 já seria aceitável para que a estrutura fosse considerada segura, o que permitiu a assinatura do laudo de estabilidade.
Sócio da Potamos, Fernando Lima repetiu à CPI o que havia relatado em depoimento à Polícia Federal. Disse que a empresa questionou Makoto Namba, engenheiro da Tüv Süd, sobre por que adotaram o fator de 1,05 e teria ouvido que, “se não fosse assim, a barragem não iria passar”. Questionado, o advogado de Makoto Namba, Augusto de Arruda Botelho, questionou a capacidade técnica dos engenheiros da Potamos.
“Os sócios da Potamos são engenheiros hidráulicos e não teriam qualquer capacidade técnica para discutir questões relativas ao fator de segurança de qualquer barragem”, disse Arruda Botelho. Segundo o advogado, “a conversa telefônica, nos termos indicados pela Potamos, nunca existiu”. “Todo o embasamento técnico que justificou a assinatura da declaração de estabilidade da barragem B1 foi apresentado nos diversos depoimentos já prestados.”
Fernando Lima disse ainda que, em 2017, a Vale havia encomendado estudos de intervenções para melhorar a segurança da barragem. A empresa teria mandado uma proposta, que ficou sem retorno. Com 40 anos de experiências em barragens, Moretti afirmou ainda à comissão que não há dúvidas de que o rompimento se deu pelo processo de liquefação –quando a resistência do material saturado e fofo da barragem chega a um pico e cai, transformando-se em líquido.
Ela não soube dizer o que teria causado o processo. Vibrações por explosões, sismo e o fenômeno de erosão interna estão entre as possibilidades. Questionada sobre se houve outra situação na carreira em que encontrou um caso preocupante como o da B1, Moretti falou da barragem da Samarco do Fundão, em Mariana. O rompimento da barragem, em 2015, deixou 19 mortos. “Participei [dos estudos do Fundão] e fui afastada também”, disse. A Vale é uma das controladoras da Samarco.