Dois dos quatro presos sob suspeita de envolvimento em ataques hackers contra autoridades, como o ministro Sergio Moro (Justiça), relataram à Justiça, nesta terça (30), que sofreram maus-tratos. O depoimento foi prestado nesta manhã ao juiz Vallisney Oliveira, da 10ª Vara Federal em Brasília.
Durante a audiência de custódia realizada para averiguar as condições das prisões, as defesas dos suspeitos pediram a soltura deles, mas o juiz negou. Oliveira afirmou que, até o momento, não surgiram novos elementos que mudassem o cenário em relação à última sexta-feira (26), quando ele prorrogou a prisão temporária dos quatro suspeitos por mais cinco dias. O prazo das prisões vence na quinta (1º).
Os suspeitos Gustavo Henrique Elias Santos, 28, e Suelen Oliveira, 25, foram os únicos a relatar uma série de condutas dos policiais que consideraram maus-tratos. Eles afirmaram que foram impedidos, ao serem presos, de ligar para seu advogado, Ariovaldo Moreira, que acompanhou a audiência nesta manhã.
“Os policiais entraram em casa, já fui agredido verbalmente desde o momento que estouraram a porta, porque eu estava dormindo. Desde o começo eu colaborei, deixei eles super à vontade, mas fui bem agredido verbalmente. ‘Hacker, bandido, tá preso, perdeu'”, narrou Elias Santos.
“Eu estava dormindo pelado, e não deixavam de jeito nenhum eu pôr uma roupa. Não deixaram eu colocar uma cueca. Depois de algum tempo me deram uma roupa, eu já algemado. Eu disse que queria conversar com meu advogado, queria saber o que estava acontecendo. A primeira coisa que falaram: ‘Você que é o hacker’. Desde o momento que entraram em casa eu pedi para ligar para meu advogado, conversar com minha mãe, e não deixaram”, queixou-se.
Para Elias Santos, os supostos maus-tratos foram desnecessários. Ele também se referiu a seu amigo Walter Delgatti Neto, 30, também preso, como “o principal culpado”. Suelen começou o depoimento chorando. Disse que só pôde tomar banho depois de dois dias presa, e por determinação do delegado Luís Flávio Zampronha, que conduz o inquérito.
“Me trataram mal, fizeram muitas piadinhas, fiquei sem papel higiênico, sem absorvente, tive que tomar água do chuveiro”, disse Suelen. “Não quero voltar mais lá [na penitenciária feminina do Distrito Federal]. Eu não tenho nada a ver com isso”, afirmou, chorando. O Ministério Público solicitou cópias dos depoimentos de Elias Santos e Suelen para abrir inquérito para investigar os supostos maus-tratos cometidos pelos agentes de segurança.
Diferentemente, os outros dois presos, Danilo Marques e Walter Delgatti Neto, não relataram maus- tratos nem coação por parte dos policiais. Delgatti disse que prestou seu primeiro depoimento à PF, no dia em que foi preso, por livre e espontânea vontade, embora tenha ressaltado que estava tenso por causa do clima da prisão e sem os remédios de uso controlado que costuma tomar.
Questionado por seu advogado, Luiz Gustavo Delgado Barros, sobre eventual pressão psicológica, Delgatti respondeu que o procedimento adotado pelos policiais foi “tranquilo”. “Não fui coagido, mas eu estava naquele clima [do momento da prisão], e sem medicamentos também”, disse.
A defesa de Delgatti argumentou, ao pedir sua liberdade, que o suspeito já foi ouvido e assumiu a autoria solitária dos delitos. Para a defesa, Delgatti poderia ser solto por ter residência fixa e ter colaborado em todas as etapas da investigação. Os defensores disseram também que a empresa de serviços de Voip (ligações pela internet) já forneceu à PF a relação de tentativas de telefonemas feitas por Delgatti -mas não tiveram êxito no pedido de soltura.
Por fim, o juiz Oliveira autorizou as defesas a terem acesso ao inquérito e aos depoimentos prestados pelos suspeitos, incluindo os vídeos das oitivas.O magistrado também determinou que Suelen, que passou os últimos dias na penitenciária feminina do Distrito Federal, conhecida como Colmeia, seja transferida para a carceragem da Polícia Federal, como pleiteou o advogado. Questionada por jornalistas, a Polícia Federal ainda não se manifestou sobre as declarações do casal preso.
CRONOLOGIA DO CASO
Ataque a Moro
Em 4 de junho, conta do Telegram do ministro Sergio Moro (Justiça) é invadida. Polícia Federal abre inquérito. Procuradores da Lava Jato também tinham reportado invasões
Sem acesso físico
A informação inicial: não havia programa de espionagem instalado no aparelho e o hacker não tinha assumido o controle do telefone. A única pista era esta: antes do ataque, o ministro recebera diversas ligações; numa delas, seu próprio número era o chamador
Telegram
Com base nisso, a PF pediu informações para operadoras de telefonia e descobriu ligação que o Telegram havia feito para Moro, para passar um código de acesso
Mesmo número
A polícia também percebeu uma série de chamadas feitas para o ministro ao mesmo tempo da ligação do Telegram, o que ajudou a concluir que os telefonemas eram uma estratégia para fazer a ligação do Telegram cair na caixa-postal e deixar recado com o código de acesso
Voip
A PF descobriu que essas ligações com número do próprio destinatário eram feitas por tecnologia Voip, que é uma ligação pela internet. O serviço permite editar o número chamador. O acesso à caixa-postal se dava por uma vulnerabilidade na rede de telecomunicações
ID
A polícia conseguiu identificar que todas as chamadas feitas para o celular do ministro tinham sido feitas por um ID determinado (número). A PF conseguiu relacionar esse ID com um outro ID, que havia feito ainda mais chamadas, por um “erro” cometido pelos hackers
Erro
A conta do primeiro ID foi bloqueada pela empresa de Voip, por causa de reclamações de chamadas suspeitas realizadas por ele. Um outro ID ligou para reclamar em nome do primeiro e aí se estabeleceu a relação
Dados falsos
A PF, porém, identificou que os dados registrados dos três IDs não eram verdadeiros. Para saber quem eram os reais usuários, a PF teve que ir atrás dos endereços de IP, espécie de CEP dos computadores, que foram atribuídos aos dispositivos que se conectaram com a empresa de Voip no momento dos ataques