Depois de requisitar à Polícia Federal as mensagens hackeadas de autoridades, ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) articulam o afastamento do procurador da República Deltan Dallagnol do comando da Lava Jato, em Curitiba. Nos bastidores, eles buscam os caminhos para que isso ocorra. A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, tem sido pressionada a determinar essa medida a partir de Brasília. Nesta quinta-feira (1º), ela chamou uma reunião de emergência para discutir o assunto.
Pessoas próximas a ela dizem, porém, que Dogde não estaria disposta a se indispor com os colegas de Ministério Público Federal. Com isso, o destino de Deltan na Lava Jato teria de ser decidido pelo STF. A decisão, segundo a articulação em curso no tribunal, pode caber a Alexandre de Moraes, no âmbito do inquérito das fake news, relatado por ele.
Na noite desta quinta, Moraes determinou que as mensagens apreendidas pela PF com os suspeitos de terem hackeado celulares de autoridades, como o ministro da Justiça, Sergio Moro, sejam encaminhadas ao Supremo no prazo de 48 horas. Assim, o caso dos hackers também passa a estar sob a alçada do Supremo.
A reação do STF se deu no dia em que mensagens publicadas pela Folha de S.Paulo, em parceria com o site The Intercept Brasil, revelaram que, em 2016, Deltan incentivou colegas a investigar Dias Toffoli, hoje presidente do Supremo. De acordo com relatos feitos à reportagem, os ministros criticaram duramente a atuação de Deltan, que, na avaliação deles, passou a usar a operação de combate à corrupção como instrumento de intimidação.
Conforme as mensagens, Deltan buscou informações sobre as finanças pessoais de Toffoli e sua mulher, Roberta Rangel, e evidências que os ligassem a empreiteiras envolvidas com o esquema de corrupção na Petrobras. A Constituição determina que ministros do STF não podem ser investigados por procuradores de primeira instância, como Deltan e colegas.
“Diante de notícias veiculadas apontando indícios de investigação ilícita contra ministros desta corte [STF], expeça-se ofício ao juízo da 10ª Vara Federal Criminal de Brasília solicitando cópia integral do inquérito e de todo o material apreendido” na operação, determinou Moraes no pedido à PF.
A Justiça Federal decretou nesta quinta a prisão preventiva, sem prazo para vencer, dos quatro suspeitos presos temporariamente desde a semana passada. Conforme a Folha de S.Paulo antecipou, Moro informou a autoridades alvos dos hackers que as mensagens, obtidas pelo grupo preso, seriam destruídas.
A comunicação provocou a reação de ministros do STF e de especialistas em direito, que afirmaram que a decisão de destruir ou não o material não cabe ao ministro da Justiça, mas ao Judiciário. Além de Moraes, o ministro Luiz Fux também requisitou o material apreendido pela PF. Em decisão liminar, o ministro atendeu a pedido do PDT e determinou a preservação das provas.
“Há fundado receio de que a dissipação de provas possa frustrar a efetividade da prestação jurisdicional, em contrariedade a preceitos fundamentais da Constituição, como o Estado de Direito e a segurança jurídica”, escreveu. O ministro foi citado em uma das mensagens obtidas pelo site The Intercept Brasil, que as publica desde junho.
Conforme as mensagens, Deltan relatou a colegas uma conversa em que o ministro teria declarado que a força-tarefa poderia contar com ele “para o que precisar”. Numa conversa com Deltan, o então juiz Moro escreveu: “In Fux we trust [em Fux nós confiamos]”.
Também nesta quinta, Moraes determinou a suspensão imediata de procedimentos investigatórios instaurados na Receita Federal que atingiram ministros da corte e outras autoridades. Para Moraes, há “graves indícios de ilegalidade no direcionamento das apurações em andamento”. Além da suspensão, Alexandre de Moraes decidiu afastar temporariamente dois servidores da Receita por indevida quebra de sigilo apurada em procedimento administrativo disciplinar.
Em um dos diálogos, o coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba sugere que recebeu da Receita informações sobre pesquisas em andamento nas contas do escritório de advocacia da mulher de Toffoli. “São claros os indícios de desvio de finalidade na apuração da Receita Federal, que, sem critérios objetivos de seleção, pretendeu, de forma oblíqua e ilegal investigar diversos agentes públicos”, afirmou Moraes.
O ministro também pediu informações detalhadas sobre os critérios que levaram a Receita a realizar a fiscalização de 133 contribuintes e pediu esclarecimentos sobre eventual compartilhamento dessas informações com outros órgãos. Moraes ainda criticou a Receita por ter informado ao Supremo Tribunal Federal que se baseou em “notícias da imprensa”.
A decisão ocorreu no âmbito de um inquérito aberto em março para apurar fake news e ameaças contra integrantes da corte. Essa investigação foi prorrogada por mais 180 dias. Após a publicação das novas conversas de Deltan, o ministro Gilmar Mendes disse à coluna Mônica Bergamo que o aparato judicial brasileiro vive sua maior crise desde a ditadura militar (1964-1985).
Pouco depois, Gilmar voltou a criticar o uso da Receita e, sem mencionar o nome de Deltan, comparou sua atuação a “conversa de botequim”. “Isso virou um jogo de conversa de botequim, quando o procurador diz assim: ‘Eu tenho uma amiga na Receita que me passa informações’. Coloquem-se cada um de vocês nessa situação. Que segurança o cidadão tem? Quando isso se faz com o presidente do STF, o que não serão capazes de fazer com o cidadão comum?”, disse.
O ministro Marco Aurélio Mello também fez críticas aos procuradores. “Isso é incrível, porque atua no STF o procurador-geral da República. É inconcebível que um procurador da República de primeira instância busque investigar atividades desenvolvidas por ministro do Supremo”, afirmou Marco Aurélio. Segundo o magistrado, “o problema do Brasil é que não se observa a lei”.
Quando as primeiras mensagens vieram à tona, em 9 de junho, o Intercept informou que obteve o material de uma fonte anônima, que pediu sigilo. O pacote inclui mensagens privadas e de grupos da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, no aplicativo Telegram, a partir de 2015.
As mensagens obtidas pelo Intercept e divulgadas até este momento pelo site e por outros órgãos de imprensa, como a Folha de S.Paulo, revelam que o então juiz Moro atuou em parceria com os procuradores em diferentes processos, aparentemente sem a imparcialidade diante de acusação e defesa exigida a um magistrado segundo as regras do Judiciário.
Caso haja entendimento de que Moro estava comprometido com a Procuradoria (ou seja, era suspeito), as sentenças proferidas por ele podem ser anuladas. Isso inclui o processo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que está sendo avaliado pelo Supremo e deve ser julgado no segundo semestre deste ano.
Segundo o Código de Processo Penal, “o juiz dar-se-á por suspeito, e, se não o fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes” se “tiver aconselhado qualquer das partes”. Afirma ainda que sentenças proferidas por juízes suspeitos podem ser anuladas.
Já o Código de Ética da Magistratura afirma que “o magistrado imparcial” é aquele que mantém “ao longo de todo o processo uma distância equivalente das partes e evita todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito”. Sergio Moro tem repetido que não reconhece a autenticidade das mensagens, mas que, se verdadeiras, não contêm ilegalidades.
THAIS ARBEX