Saber quantas pessoas têm o coronavírus Sars-CoV-2 é informação essencial para combater a epidemia. Os dados fornecem um recorte da situação atual e permitem criar estratégias para combater a disseminação da doença. Um dos problemas que impedem a noção exata do número de casos é a subnotificação.
Estimar os casos não contabilizados por falta de notificação foi o objetivo de um estudo realizado pela Escola de Londres de Higiene e Medicina Tropical (London School of Hygiene and Tropical Medicine), publicado no domingo (22).
Segundo os pesquisadores, o Brasil detecta, em média, 11% dos casos sintomáticos de Covid-19. Ou seja, apenas uma em cada dez pessoas que carregam o vírus foi registrada pelo governo.
A taxa é maior do que a da Itália, que identifica cerca de 6%, e menor que a da Coreia do Sul, que identifica em média 83% dos casos. A estratégia do país asiático para o combate ao novo coronavírus tem sido considerada referência.
O estudo britânico se baseia em um modelo matemático que usa como referência a taxa de letalidade do coronavírus na China, definida em 1,38% por pesquisadores daquele país.
A taxa de 1,38% é um resultado ajustado pelos pesquisadores chineses, levando em conta que a simples divisão de mortes por casos gera um número enviesado, uma vez que não considera o atraso de confirmação de óbito e os casos de subnotificação.
Os britânicos ajustaram, da mesma forma, as taxas de letalidade do Brasil e de outros 26 países e compararam-nas com a da China. Se a taxa ajustada for maior que 1,38%, isso sugere que apenas uma fração dos casos foi registrado.
No caso do Brasil, eles chegaram ao resultado médio de notificação de 11%.
Tomando como base os dados desta quarta (24), em que o Ministério da Saúde atualizou para 2.433 os casos confirmados no Brasil, pode-se estimar que há 22.118 casos sintomáticos de coronavírus, dos quais 19.685 não foram identificados.
Para Antônio Augusto Moura da Silva, médico epidemiologista e professor da Universidade Federal do Maranhão, a taxa de identificação talvez seja até inferior a 10%.
O médico explica que a demora em chegar à conclusão sobre a causa da morte em casos suspeitos de infecção por coronavírus faz com que o número de casos identificados esteja atrasado em relação à realidade.
“As pessoas estão morrendo nos hospitais e sem diagnósticos. Temos algumas mortes diagnosticadas como suspeitas, mas você não tem a confirmação do óbito”, disse.
A primeira morte por coronavírus no Brasil aconteceu antes que fosse confirmado que o paciente estava infectado. O homem morreu seis dias depois de manifestar os primeiros sintomas.
A demora para confirmar que uma morte foi por coronavírus é um dos fatores que causam a subnotificação. Outro são os casos assintomáticos. Sem sintomas, a pessoa não sabe que tem coronavírus, não irá ao hospital e não será testada. Há ainda os casos em que os sintomas são leves.
Caso tenha sintomas leves ou mesmo nenhum sintoma, o portador do vírus talvez continue circulando pelas ruas, podendo assim transmitir a doença para outras pessoas. Por isso que o isolamento social é considerado uma das estratégias mais efetivas para combater o coronavírus.
O ideal seria que toda a população fosse testada para saber quem tem ou não o coronavírus. Isso é, porém, algo muito complicado para fazer, em curto período de tempo e em tantas pessoas. Mesmo os 22,9 milhões de testes anunciados pelo governo, ainda que fossem todos destinados à população geral, seriam insuficientes, visto que isso equivale a 10% dos habitantes do Brasil.
A reportagem inquiriu o Ministério da Saúde sobre as estimativas apresentadas pelo estudo britânico e sobre como o país está lidando para diminuir a subnotificação.
A pasta respondeu reforçando a informação de que está ampliando o número de testes, que serão divididos entre o tipo que detecta o vírus geneticamente em amostras (PCR) e os que dependem da análise da resposta imunológica do corpo ao micro-organismo invasor, por meio dos anticorpos.
“Neste momento”, frisa a nota enviada como resposta, “o ministério definiu a aplicação dos testes em profissionais de serviços de saúde e de saúde e de segurança, além da verificação dos casos graves e óbitos.”
No entanto, as subnotificações não dependem apenas do aspecto científico. O aspecto administrativo também pesa, uma vez que envolve sistemas e processos de notificação que funcionam com demora.
Claudio Struchiner, professor titular da Escola de Matemática Aplicada da Faculdade Getúlio Vargas, considera que, pela “maneira como o serviço de saúde vem funcionando, você sabe que existe um atraso de três a quatro dias”.
Struchiner cita outro estudo, feito pelo Centro Chinês para Controle e Prevenção de Doenças e publicado na Revista da Associação Médica Americana, que usou dados consolidados de 72.314 casos registrados pela China.
Os pesquisadores usaram a contabilidade feita pela autoridade sanitária chinesa na província de Hubei e a separaram por data. Em 23 de janeiro, quando foi fechada Wuhan, capital de Hubei e foco inicial da doença, foram registrados 400 novos casos.
Mas, partindo do princípio que a China não testou toda sua população, eles sabiam que o número era um recorte da realidade e que o número de novos casos naquele dia teria de ser maior.
Para descobrir quantos novos casos de fato ocorreram naquela data, os pesquisadores voltaram aos dados e analisaram, caso a caso, o relato de quando os sintomas começaram a se manifestar. Assim, eles puderam estimar que, em 23 de janeiro, o número real de novos casos era de 2.500 pessoas.
Mesmo que não haja atraso na contabilidade de óbito por coronavírus ou que problemas administrativos não impeçam a notificação, haverá defasagem entre a realidade e os dados que a retratam.
Primeiro, porque testar toda a população é inviável, devido ao custo e ao número de pessoas que vivem no Brasil. Segundo, porque mesmo se todos os sintomáticos forem testados, faltarão ainda as pessoas em que os sintomas não se manifestam.
Ainda assim, há como diminuir essa distância entre o que acontece e o que os números mostram. Para tanto, segundo Silva, há duas estratégias que foram aplicadas por outros países e que podem ter sucesso nesse sentido: o distanciamento social e a testagem em massa.
Por Daniel Dieb