sábado, 23 novembro 2024

Em São Paulo, 22% dos moradores dos bairros mais pobres já pegaram coronavírus

Na capital de São Paulo, 22% dos moradores dos distritos censitários mais pobres (com renda média igual ou menor a R$ 3.349) têm anticorpos no sangue específicos para o novo coronavírus, o Sars-CoV-2. 

Nos bairros de renda mais alta, essa soroprevalência foi de 9,4%, enquanto a faixa intermediária de renda apontou uma taxa de 18,4%. Em toda a capital, esse índice foi de 17,9%. 

Esses são os resultados parciais da terceira fase do estudo que visa mapear a parcela da população que já contraiu o novo coronavírus na capital. 

A pesquisa dividiu a cidade em 115 distritos censitários. Em cada um deles, foram sorteadas residências aleatoriamente e colhidas 1.470 amostras de sangue de indivíduos maiores de 18 anos, entre 20 e 29 de julho. 

A primeira etapa do projeto, concluída em maio, avaliou moradores dos três bairros com maior incidência de casos à época e outros três com maior número de óbitos por 100 mil habitantes (Morumbi, Jardim Paulistano e Bela Vista, e Água Rasa, Belém e Pari, respectivamente) e apontou que cerca de 5% da população desses bairros já teve contato com o vírus. 

Já a segunda etapa, concluída no final de junho, analisou 1.183 amostras de sangue dos mesmos 115 distritos censitários da fase 3, e mostrou uma prevalência em toda a população de 11,4%. 

Nesta terceira etapa, uma primeira análise, feita com o mesmo teste sorológico pelo método de quimioluminescência utilizado nas fases anteriores, apontou uma incidência de 11,5%, próxima à encontrada na segunda fase. 

Contudo, os pesquisadores voltaram às pessoas analisadas e realizaram um segundo teste de outro fornecedor e metodologia diferente para fazer a contraprova dos resultados. O teste, desenvolvido pela farmacêutica Roche, é 100% eficaz e mais sensível à detecção de anticorpos específicos para o Sars-CoV-2. 

Com isso, foi possível observar um aumento de 56% dos indivíduos antes não detectados pelo teste tradicional com o novo teste combinado. Esse aumento levou à taxa de 17,9% ou, considerando os 8.407.202 indivíduos maiores de 18 anos na capital, 1,5 milhão de pessoas. 

O inquérito sorológico é uma iniciativa do Grupo Fleury em parceria com a ONG Instituto Semeia e o Ibope Inteligência, e tem apoio financeiro do Todos pela Saúde. Conta ainda com colaboração da Escola Paulista de Medicina, Faculdade de Saúde Pública da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). 

Além da utilização de um novo teste diagnóstico para detectar indivíduos antes não identificados no teste de quimioluminescência, na nova etapa os pesquisadores estratificaram os 115 distritos também em setores – ruas e avenidas – ordenados pela renda média, alocando um terço dos setores a cada estrato. Ou seja, cada residência sorteada por distrito equivaleria a um setor – renda média mais alta, renda média intermediária e renda média mais baixa. 

Segundo Marcia Nunes, do Ibope, essa divisão foi feita para analisar com mais acurácia a heterogeneidade dos setores dentro dos distritos. Dessa forma, dentro de um distrito de renda mais alta, como por exemplo Morumbi, poderia ser sorteada uma residência em um setor cuja renda é menor – uma rua de Paraisópolis, por exemplo. 

Foi possível, então, identificar uma prevalência nos setores de maior renda (maior ou igual a R$ 5.541 mensais), semelhante à da fase anterior, de 6,3% (antes 6,2%). Porém, no estrato de renda intermediária (de R$ 3.350 a R$ 5.5540), houve um salto de 9,9% para 12,4%. Já na faixa de renda mais baixa, a taxa apresentou uma queda de 16,1% para 13,4% – esse número, no entanto, está dentro do intervalo de confiança e não possui valor estatístico significativo. 

Para Nunes, a mudança observada nos setores de renda média intermediária pode indicar uma maior flexibilização das medidas de isolamento social, com o retorno ao trabalho de uma parcela da população que utiliza mais o transporte público, expondo-se mais ao vírus. 

A fase 3 manteve a maior prevalência entre indivíduos com escolaridade menor que o ensino fundamental em relação àqueles com ensino superior (22,5% frente a 12%, ou quase duas vezes maior), e da população identificada como preta e parda em relação aos brancos (20,8% e 15,4%, respectivamente). 

Segundo o biólogo Fernando Reinach, autor do estudo e professor titular da USP, uma importante conclusão da terceira etapa do mapeamento são as respostas diferentes dos participantes aos testes existentes no mercado. 

Em 127 indivíduos, o resultado foi positivo tanto para o teste antigo quanto para o novo. Entretanto, em 89 deles só foi possível detectar anticorpos no sangue para o Sars-CoV-2 com o teste da Roche, enquanto em 46 participantes o novo teste apresentou resultado negativo e o anterior positivo. 

Dessa forma, a utilização de apenas um teste para diagnóstico pode subestimar o número verdadeiro de pessoas que já tiveram contato com o vírus, diz Reinach. 

Para Celso Granato, infectologista e diretor clínico do Grupo Fleury, além de mostrar as diferenças de sensibilidade dos testes, o resultado indica ainda possíveis diferenças de resposta imune ainda desconhecidas entre a população. 

“Considerando que estamos perto de 20% da população [com a presença de anticorpos], podemos estimar que cerca de 40% ou 50% tem algum tipo de resposta imune, aproximando ainda mais da estimativa de 60% necessária para atingir a imunidade coletiva.” 

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