O CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) decidiu nesta terça-feira (25) arquivar a denúncia do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) contra o procurador Deltan Dallagnol e outros dois integrantes da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba no episódio do PowerPoint.
Foi determinante na decisão do conselho o fato de que a pretensão punitiva para o caso, na avaliação dos conselheiros, se aproxima, não cabendo, portanto, a abertura de um processo administrativo disciplinar contra os três integrantes da Lava Jato.
Votaram contra a abertura do PAD (processo administrativo disciplinar) dez dos atuais 11 integrantes do conselho. Oito, porém, consideraram que havia elementos para a abertura do procedimento.
Alguns integrantes do conselho, porém, consideraram haver elementos suficientes para a abertura de um processo administrativo disciplinar.
O desfecho do caso é mais uma vitória para a Lava Jato, atualmente sob críticas por parte do procurador-geral da República, Augusto Aras.
No próximo mês vence a designação de procuradores da República para atuar na investigação. Aras avalia se vai prorrogá-la.
O conselho atendeu a um pedido da defesa de Lula e determinou que os procuradores da Lava Jato se abstenham de utilizar instalações, equipamentos e recursos da instituição para fins de divulgação de atividades políticas ou político-partidárias.
O ex-presidente Lula acusou Deltan e os colegas Roberson Pozzobon e Júlio Noronha de abuso de poder e de expor o ex-presidente e a ex-primeira-dama Marisa Letícia a constrangimento público.
Em setembro de 2016, a força-tarefa convocou entrevista para detalhar denúncia enviada à Justiça contra o petista no caso do tríplex e usou uma apresentação de PowerPoint para mostrá-lo como o chefe de uma organização criminosa.
Inconformado, Lula recorreu ao conselho naquele mesmo ano. De acordo com a defesa do petista, a apresentação de Deltan violou o direito de defesa por ter apresentado o ex-presidente como culpado “perante toda a sociedade” antes de ele ser julgado.
Em sua sustentação oral, o advogado Cristiano Zanin, defensor de Lula, afirmou que se busca com a representação apresentada ao CNMP discutir o padrão de conduta que se espera dos integrantes do Ministério Público.
“Será que o padrão que se espera é fazer uma entrevista como esta, que foi classificada como espetacularização do processo?”, questionou Zanin, lembrando o termo empregado pelo ex-ministro Teori Zavascki, primeiro relator da Lava Jato no STF (Supremo Tribunal Federal), durante uma sessão de julgamento sobre a entrevista coletiva do PowerPoint.
Atuando em nomes dos procuradores da República, o advogado Felipe Mesquita disse que é legítimo questionar se a entrevista poderia ter sido feita de outra forma.
“Agora, criminalizar ou dizer que ali houve a tentativa de enxovalhar a imagem do acusado, desconsiderando todo o contexto? Desconsiderando que era a 12ª entrevista coletiva [da operação Lava Jato]? Não houve tratamento diferente”, disse Mesquita.
Ao ressaltar que o caso foi analisado e arquivado em duas instâncias correcionais do Ministério Público, o relator do caso, conselheiro Marcelo Weitzel, afirmou que não houve reclamação contra tais decisões. “Um recurso sequer foi apresentado, o que denota concordância”, disse.
Weitzel explicou que a defesa do ex-presidente não fez pedidos na área disciplinar, mas apresentou um requerimento para que os procuradores da República deixassem de utilizar a estrutura do MPF para manifestar posicionamentos públicos.
Aplicar, portanto, uma punição disciplinar aos três procuradores fugiria ao objeto do que se analisa na representação do petista. E votou para arquivar.
O conselheiro Sebastião Caixeta divergiu por entender que houve indícios de infração disciplinar, mas pediu o arquivamento por reconhecer a prescrição do caso.
Acompanharam o voto de Caixeta os conselheiros Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho, Otavio Luiz Rodrigues Júnior, Oswaldo D’Albuquerque, Sandra Krieger, Fernanda Marinella, Luciano Nunes Maia Freire e O corregedor nRinaldo Reis Lima, que é o corregedor do CNMP.
Ao dizer que não via sentido na abertura de processo administrativo disciplinar porque haveria prescrição antes de o CNMP conseguir julgar o mérito das acusações, o conselheiro Sílvio Amorim Júnior afirmou que a apresentação do PowerPoint foi só “uma demonstração do que a denúncia havia trazido em seu conteúdo”, em entendimento divergentes aos dos colegas.
O CNMP é um órgão de controle externo do Ministério Público e de seus integrantes. Entre suas atribuições está a fiscalização disciplinar.
É composto por 14 conselheiros, entre integrantes do Ministério Público, juízes, advogados e dois cidadãos de notável saber jurídico, um indicado pela Câmara dos Deputados e outro pelo Senado. Quem o preside é o procurador-geral da República, Augusto Aras.
Aras não participou da sessão. Ficou a cargo do vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques, presidi-la, mas ele se declarou impedido para participar do julgamento e passou o posto para o corregedor-geral.
O caso já havia sido indicado para julgamento em outros momentos. Os advogados de Lula contabilizaram mais de 40 vezes em que o caso figurou na pauta.
Nesta segunda-feira (24), a pedido da defesa do ex-presidente, o ministro do STF Edson Fachin mandou o conselho manter o caso em pauta e disse que o processo deve ser julgado logo, frente ao risco de prescrição.
“Passados quase quatro anos desde o protocolo do pedido de providências, o risco apontado pelo requerente não apenas atesta o receio que ampara o pedido de urgência, como também outorga plausibilidade às alegações deduzidas”, escreveu Fachin.
Na apresentação do relatório, Marcelo Weitzel frisou que o assunto chegou ao CNMP há quatro anos, quando a composição do colegiado era outra. Disse que passou a atuar no processo em fevereiro de 2018 e que no mês seguinte já tinha voto pronto.
Weitzel apresentou um histórico sobre a representação, lembrando que a peça foi aditada vezes pela defesa do ex-presidente, com a apresentação de fatos novos.
Além disso, comentou ainda o conselheiro, o processo ficou parado sem preocupação de ambas as partes sobre a demora em um desfecho. “Estranhamente, agora, este caso ganhou uma urgência nunca vista antes”, disse Weitzel.
Na semana passada, o CNMP havia pautado outros dois processos contra Deltan, mas ele recorreu ao STF para suspender a tramitação, instaurados a partir de representações de dois senadores.
O ministro Celso de Mello suspendeu a tramitação dos dois procedimentos até que seja julgado o mérito de recursos apresentados ao tribunal nos quais a defesa de Deltan apontou irregularidades quanto a prazos processuais e cerceamento de defesa.
Investigado na Lava Jato, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) acusou Deltan de quebra de decoro. O parlamentar alega que o procurador foi às redes sociais para atacá-lo e tentar interferir na eleição da presidência do Senado em 2019, o que configuraria ato político-partidário, vetado aos integrantes do Ministério Público.
O segundo procedimento contra o procurador é fruto de representação da senadora Kátia Abreu (PP-TO) e tramita na forma de um pedido de providência.
Ela pede que Deltan seja transferido para outra unidade do MPF (Ministério Público Federal), deixando de atuar na Lava Jato, em razão, entre outros argumentos, do grande número de reclamações disciplinares a que responde no CNMP.
Horas antes da decisão de Celso de Mello, o ministro do STF Luiz Fux havia suspendido os efeitos de sanção administrativa de advertência imposta a Deltan pelo conselho em novembro de 2019.
Na prática, o despacho de Fux tornou mais distante o afastamento do procurador da chefia da Lava Jato, uma vez que o histórico do profissional pode ser considerado um agravante para o CNMP.