A advogada Valéria Lucia dos Santos, 48, foi algemada nesta segunda-feira (10) durante uma audiência no 3º Juizado Especial Cível de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, no estado do Rio de Janeiro.
A advogada e a juíza leiga discutiram, e Valéria foi algemada, no chão, por policiais do fórum. Pessoas na sala gravaram vídeos da situação, mas não é possível ver todos os momentos ou o início do episódio. O juiz leigo é um advogado que auxilia a Justiça em alguns juizados especiais, mas a decisão final é de um juiz togado.
Segundo a seção do Rio da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), o ato foi uma grave violação. Advogada desde 2016, Valéria trabalha para um escritório no município. “Nem na época da ditadura se prendia, algemava e jogava ao chão um advogado dentro da sala de audiência. É um absoluto desrespeito ao Estado democrático e à advocacia. Isso causa muita preocupação”, disse Luciano Bandeira, presidente da Comissão Estadual de Defesa de Prerrogativas da OAB.
Questionado, o TJ-RJ disse, por meio de nota, que a juíza leiga pediu a presença de policiais “para conter uma advogada que não havia acatado orientações da magistrada”. “Segundo policiais, ela resistiu e, por isso, foi algemada e encaminhada para a 59ª delegacia, de Duque de Caxias. Estamos aguardando a conclusão do inquérito policial”, afirmou o tribunal.
A Folha de S.Paulo pediu ao TJ-RJ para entrevistar a juíza leiga, mas não teve resposta. O nome da profissional também não foi informado pelo tribunal. Procurada, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), que representa juízes, não respondeu até a publicação desta reportagem.
Valéria afirma que ficou indignada, porque, segundo ela, seu direito de trabalhar foi cerceado. Negra, ela não quis atrelar o episódio a um possível ato de racismo. “Eu não queria pontuar a questão do racismo, porque não vou mudar a concepção das pessoas e nem a cor da minha pele. Ali a minha indignação foi por me impedirem de trabalhar”, afirmou.
Ela disse que se sentiu “muito mal” com a situação. “A ficha caiu quando eu estava no chão algemada, sentada. Realmente, sou negra, mulher, preciso ser tratada dessa forma?”, afirma.
Segundo a OAB, Valéria defendia uma consumidora, que entrou com um processo contra uma empresa de telefonia por causa de cobranças indevidas. Na audiência, não houve conciliação entre as partes, e a advogada pediu para ter acesso à contestação da empresa ao processo, sempre de acordo com a versão da OAB.
“É dever do advogado pedir para ler a contestação, que só pode ser vista naquele momento, para impugnar ou questionar a validade de documentos juntados pela defesa. Ela estava exigindo isso ou que se colocasse na ata que ela não teve acesso à contestação”, afirma o representante da OAB.
Segundo ele, a advogada seguiu o rito processual normal, já que aquela era a última oportunidade de se manifestar antes que a sentença fosse dada. “Ela estava cumprindo a obrigação dela, estava absolutamente correta.”
Em um dos vídeos, Valéria diz que não vai sair da sala e que estava ali no aguardo de um delegado da OAB. Segundo Bandeira, essa função é exercida por advogados, presentes em plantões nos fóruns, responsáveis por representar a Ordem e defender os profissionais da categoria.
“Quando há alguma palavra atravessada, algum conflito, o delegado é chamado para mediar a situação. A audiência ficava no segundo andar, e a sala da Ordem, no quarto piso. Era questão de segundos até o delegado chegar. Mas a juíza leiga não esperou e determinou a prisão”, afirma Bandeira.
Segundo Valéria, ela não chegou a ser detida, porque o delegado da OAB chegou logo à sala. Em seguida, a advogada, o representante da Ordem e os policiais foram à delegacia registrar boletim de ocorrência.
A OAB-RJ vai entrar com com representação contra os policiais na corregedoria da corporação e contra a juíza leiga no TJ-RJ, além de processos civis e criminais na Justiça.