quinta-feira, 3 julho 2025

Capela construída por escravos em 1775 é reaberta após restauro no interior de SP

O monumento religioso, que é único no Brasil com essas características, foi reaberto em um dia de festa para a comunidade quilombola com cerca de 400 pessoas que há décadas lutavam pela restauração de seu maior patrimônio 

Fachada da capela de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, em Eldorado (SP), que foi restaurada (Foto: Secretaria da Cultura do Estado/Divulgação / Estadão)

Erguida por escravos negros por volta de 1775, a capela de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos foi reaberta nesta quarta-feira, 9, após passar por restauração no quilombo de Ivaporunduva, em Eldorado, interior de São Paulo. O monumento religioso, que é único no Brasil com essas características, foi reaberto em um dia de festa para a comunidade quilombola com cerca de 400 pessoas que há décadas lutavam pela restauração de seu maior patrimônio.

As obras do governo do Estado, ao custo de R$ 1,2 milhão, foram iniciadas em dezembro do ano passado. As intervenções, de acordo com o secretário de Cultura e Economia Criativa de São Paulo, Sérgio Sá Leitão, incluíram o telhado, o piso, reforços na estrutura de taipa de pilão e a recuperação do altar-mor. “Era uma demanda antiga da comunidade e conseguimos reunir os recursos do próprio governo para viabilizar o projeto. Houve necessidade de incluir obras de acessibilidade e de proteção contra incêndios, mas sem alterar a originalidade da construção”, disse.

A comunidade quilombola se formou ao final do século 17 (por volta de 1680), mas a capela só foi construída quase um século depois e se tornou um marco do quilombo de Ivaporunduva, que foi reconhecido pela União em 1997. O templo e seu entorno foram tombados pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat) em 1972. “Após o reconhecimento da comunidade quilombola, os moradores receberam a posse das terras do entorno”, disse o secretário.

A capela está localizada no ponto mais alto do povoado, que fica à margem esquerda do Rio Ribeira de Iguape. Com 130 m² de área construída, o templo passou por algumas intervenções que foram consideradas inadequadas. O piso da nave principal, que era de terra batida, foi cimentado em 1970. Agora, o cimento foi retirado e o piso refeito com tijolos de barro, mais compatíveis com a capela original. Em madeira, o forro da nave e o forro e o piso do coro foram refeitos com tábuas das mesmas dimensões.

O trabalho de restauro incluiu o altar-mor de madeira e os sinos de bronze da capela. Houve a retirada do reboco degradado das paredes, que recebem caiação – pintura à cal, como era originalmente. Conforme o secretário, a capela foi adequada para seu uso tradicional, como a celebração de cultos e as reuniões da comunidade. “O entorno também foi urbanizado, permitindo maior convívio da população com aquele espaço. Durante as obras, a comunidade se engajou com a equipe do restauro, pois os moradores têm um apreço imenso pela capela, além de ser um componente afetivo muito forte”, disse.

A expectativa é de que o restauro favoreça também o turismo, já que a região é muito procurada pelos turistas devido às cavernas e cachoeiras dos parques estaduais – Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira e Parque Estadual e Parque Estadual Caverna do Diabo. “Vai contribuir para fortalecer o quilombo inclusive como destino turístico. Com a receita do turismo, da venda de artesanato e de alimentação, os moradores terão mais renda e poderão reforçar suas tradições culturais”, afirmou.

História

Após a fixação dos portugueses nas atuais cidades de São Vicente e Cananeia, no litoral de São Paulo, no século 16, alguns aventureiros seguiram o curso do Rio Ribeira de Iguape em busca de ouro. Entre eles estavam os irmãos Domingos e Antônio Rodrigues da Cunha, que se fixaram com dez escravos à margem do rio. Com a escassez do minério nessa região, a maior parte dos mineradores foi para Minas Gerais. Alguns escravos, no entanto, permaneceram no local e formaram uma comunidade que recebeu escravos fugidos ou alforriados de outras regiões.

O povoado de Ivaporunduva surgiu antes mesmo da fundação de Xiririca, antigo nome da cidade de Eldorado. Os habitantes faziam mutirões para a roça, a construção de casas, a criação de animais, para fazer cultivos de subsistência e manter os caminhos ao redor da comunidade, isolada pelo rio de um lado e pela exuberante Mata Atlântica do outro.

A capela foi construída em planta de nave única, em formato retangular. A capela-mor, em alvenaria de pedra cangicada (fragmentada), só foi construída no século 19. A fachada principal possui uma única porta e, acima, duas janelas na altura do coro. 

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