sábado, 20 abril 2024

CNJ vai apurar caso do desembargador que humilhou guarda e rasgou multa

O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) vai apurar a conduta do desembargador Eduardo Almeida Prado Rocha de Siqueira, do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), que se recusou a usar máscara na rua em Santos (SP) durante uma abordagem da Guarda Municipal, humilhou um guarda civil, chamando-o de “analfabeto”, rasgou uma multa e jogou o papel no chão, após tentar se livrar da punição comunicando o fato ao secretário de Segurança Pública da cidade.

Para o corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, o vídeo que viralizou nas redes sociais neste domingo demonstra indícios de possível violação aos preceitos da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) e ao Código de Ética da Magistratura, que impõem a necessidade de averiguação pela Corregedoria Nacional de Justiça. O desembargador terá 15 dias para responder ao corregedor nacional sobre os fatos expostos, afirma o CNJ.

O TJ-SP informou, ainda na manhã deste domingo, que determinou imediata instauração de procedimento de apuração dos fatos, segundo nota assinada pelo presidente do tribunal, Geraldo Francisco Pinheiro Franco. Franco diz que ter requisitado a gravação original e que ouvirá, com a máxima brevidade, os guardas e o magistrado.

No final da tarde de domingo, o corregedor nacional do CNJ, ministro Humberto Martins, determinou que o procedimento instaurado no TJ-SP seja remetido para apuração do Conselho Nacional de Justiça.

VEJA O VÍDEO

 
A “CARTEIRADA” DO DESEMBARGADOR
O fato aconteceu durante uma abordagem da Guarda Civil Municipal de Santos ao desembargador, que caminhava pela orla na praia na tarde deste sábado (18), sem máscara.

Nas imagens, o guarda civil pede “por favor” para o desembargador usar máscara. O desembargador, então, parado ao lado da viatura, responde: “Eu, por hábito, não uso”.

O guarda cita então que há um decreto na cidade que obriga o uso. “Mas decreto não é lei”, responde o desembargador, que em seguida cita que já foi multado antes e que jogou a multa na cara de outro agente. O guarda desce da viatura.

“Você quer que eu jogue [a multa] na sua cara? Então faça, aqui, a multa”, desafia o desembargador. “Eu vou fazer a multa e o senhor joga na minha cara”, responde o guarda civil, pegando a prancheta para registrar a infração. “E o senhor vai falar com o Del Bel”, rebate o magistrado, citando o sobrenome do secretário de Segurança Pública de Santos, Sérgio Del Bel Júnior.

Neste momento, o desembargador pega o celular e diz ligar para o secretário Del Bel. “Del Bel, eu estou aqui com um analfabeto, um PM seu aqui, um rapaz. Eu estou andando sem máscara. Só estou eu aqui na faixa de praia. Ele está aqui fazendo uma multa”.

Na suposta conversa, o desembargador insiste que o decreto municipal não tem força de lei. “Eu expliquei de novo, mas eles [guardas civis] não conseguem entender”, diz o desembargador.

O magistrado tenta fazer o guarda civil falar no celular com o secretário, mas o agente se nega e pede para que o secretário, se assim desejar, ligue diretamente no celular dele. A suposta conversa termina com Siqueira dizendo que tudo ficaria tranquilo.

“É para fazer o procedimento e rasgar”, diz o desembargador.

O agente pede para Siqueira dizer seu nome e ele, primeiro, se nega. O guarda insiste e pede os documentos pessoais de Siqueira, que pergunta: “você sabe ler?”.

“Então leia bem com quem o senhor está se metendo”, diz o desembargador. Ainda redigindo a multa, o guarda-civil pergunta: “o senhor vai assinar?”. Siqueira responde: “Imagina! Isso aí eu vou rasgar”, diz o magistrado.

E ele cumpre o que promete. Mas, antes, é avisado pelo agente que se rasgasse a multa e jogasse o papel na praia sofreria uma segunda penalidade por despejo de lixo em via pública.

O desembargador rasga a multa, amassa o papel, joga na praia e sai caminhando normalmente. A cena choca uma mulher que passa logo em seguida e diz ter visto muita gente na praia sem máscara. “Essa é a quinta autuação que eu faço hoje, senhora”, diz o guarda.

A reportagem procurou, mas não localizou o desembargador.

Já o Tribunal de Justiça de São Paulo, por nota, disse que, ao tomar conhecimento do caso, instaurou um procedimento de apuração; requisitou a gravação original da abordagem e ouvirá, com a máxima brevidade, os guardas civis envolvidos e o magistrado.

“O TJSP não compactua com atitudes de desrespeito às leis, regramentos administrativos ou de ofensas às pessoas. Muito pelo contrário, notadamente em momento de grave combate à pandemia instalada, segue com rigor as orientações técnicas voltadas à preservação da saúde de todos”, informou.

PREFEITURA DE SANTOS REPUDIA

O uso de máscara de proteção contra o coronavírus é obrigatório em Santos por meio de decreto do prefeito Paulo Alexandre Barbosa (PSDB). Descumprir a medida gera multa de RS 100.

A prefeitura de Santos se manifestou sobre o ocorrido por meio de uma nota de repúdio e afirmou que não é a primeira vez que o desembargador é multado pela rejeição ao uso de máscara.

“Trata-se de um caso de reincidência, o mesmo cidadão já foi multado em outra data por cometer a mesma infração. O secretário de Segurança de Santos, Sérgio Del Bel, deu total apoio à equipe que fez a abordagem e a multa foi lavrada na tarde deste sábado (18). O cidadão também foi multado por jogar lixo no chão”, informou a prefeitura.

“A Prefeitura de Santos é veementemente contra qualquer ato de abuso de poder e, por meio do comando da GMC, dá total respaldo ao efetivo que atua na proteção do bem público e dos cidadãos de Santos”, completou a prefeitura.

TRAJETÓRIA

O desembargador Eduardo Almeida Prado Rocha de Siqueira chegou ao Tribunal paulista em 2008. Ele coordenou, inclusive, a área de saúde do tribunal. O setor é responsável por diagnosticar, monitorar e implementar ações de prevenção e rastreamento de doenças e promover a readaptação de servidores.

Na sua cerimônia de posse, Siqueira foi representado em discurso feito pelo colega Pedro Aguirre Menin, que citou palavras do Papa João Paulo 2º, ao lembrar que “o juiz deve ir além da própria Justiça sempre com equidade e o equilíbrio necessários às suas decisões”.

“Sonhávamos em ser bons juízes e aplicar a Justiça segundo as leis do Direito. Hoje, alcançamos o mais alto grau da magistratura bandeirante, mas a caminhada continua e o caminho é longo”, segundo trecho do discurso. Atualmente, o magistrado integra a 38ª Câmara de Direito Privado do tribunal paulista.

MULTAS

Até as 18h deste sábado, Santos já havia multado 36 pessoas flagradas sem máscara em sua orla. Segundo a prefeitura, o valor da penalidade dobra caso a pessoa cometa a infração pela segunda vez.

Desde o dia 5 deste mês, as praias da cidade estão liberadas para a prática de atividades esportivas individuais, sem a restrição de horário. “Mas a flexibilização exige o cumprimento das medidas adotadas pela prefeitura, que passou a permitir o uso do calçadão e da faixa de areia para corrida e caminhadas, natação, surfe, stand up, canoagem e banho de mar”, segundo informou a gestão de Paulo Barbosa.

Mas há uma restrição: o banho de sol, assim como qualquer aglomeração. “Com exceção das atividades no mar, o restante deve ser realizado com máscara”.

Santos contabiliza o maior número de casos, óbitos e internações por Covid-19 em toda a Baixada Santista. São 12.852 contaminados, 425 óbitos e 172 pessoas em tratamento.

REPORTAGEM: FOLHAPRESS

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