Na semana passada, a empresa obteve liminar contra um regime de fiscalização especial implantado pelo Fisco paulista desde março, após denúncias de concorrentes. A empresa nega fraudes e diz que a fiscalização é abusiva
Com um crescimento abrupto nas vendas de gasolina a partir do segundo semestre de 2020, a produtora de combustíveis Copape entrou na mira da Secretaria de Fazenda de São Paulo, que investiga suspeitas de fraude no recolhimento de impostos estaduais.
Na semana passada, a empresa obteve liminar contra um regime de fiscalização especial implantado pelo Fisco paulista desde março, após denúncias de concorrentes. A empresa nega fraudes e diz que a fiscalização é abusiva e que vem sendo perseguida pelo “poderoso oligopólio dos combustíveis”.
A Copape é cadastrada na ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis) como uma formuladora, tipo de empresa que produz combustíveis a partir de derivados de petróleo já prontos – diferente de uma refinaria, que usa o petróleo como matéria-prima.
Em 2019, produziu uma média de 7 milhões de litros de gasolina por mês, com picos superiores a 9 milhões em julho, novembro e dezembro. Entrou em 2020 com produção em queda, acompanhando o sumiço do mercado após o início da pandemia.
A partir de julho, porém, suas vendas de gasolina dispararam, chegando a bater 146 milhões de litros em dezembro -volume equivalente, em apenas um mês, a quase o dobro do registrado em todo o ano anterior. No início de 2021 continuou em alta, com média de quase 150 milhões de litros por mês.
Controlada pelo mesmo grupo e sua principal cliente, a distribuidora de combustíveis Aster Petróleo também vem surfando a onda: entre 2020 e 2021, mais que dobrou sua fatia no mercado brasileiro de gasolina, segundo dados da ANP.
A Copape importa a nafta petroquímica que usa como matéria-prima para sua gasolina pelo Porto de Paranaguá (PR) com destino a Tocantins, onde o ICMS é de apenas 1% -em São Paulo, esse percentual é de 25%. O recolhimento do imposto em outro estado chegou a ser proibido, mas o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu em 2020 que não é ilegal.
A reportagem apurou que a Secretaria de Fazenda de São Paulo investiga o uso de outras estratégias fiscais que podem lesar os cofres estaduais, dentre eles o uso de créditos tributários irregulares e a prática de preços superfaturados para recolher menos impostos de seus clientes.
Há dúvidas também sobre a matéria-prima usada pela empresa: o estado busca confirmar se ela vem usando nafta, que tem imposto de importação mais barato, ou já importa gasolina semi-acabada para apenas adaptar o produto à especificação brasileira.
As vendas da empresa explodiram após mudança no comando em junho, quando a família Ruiz Santiago, antigos controladores, repassaram o negócio a um fundo de investimentos chamado Location. A mudança chamou atenção da Fazenda por não identificar as pessoas físicas por trás do fundo.
Em parecer contrário à renovação de cadastro, técnicos da Fazenda destacam que “é de conhecimento geral” que empresas controladas por “laranjas” podem causar danos ao Fisco, pela dificuldade na identificação dos responsáveis pelo pagamento por eventuais irregularidades.
O regime especial de fiscalização foi imposto após notícias sobre a nova composição societária. Nesse regime, a companhia tem a obrigação de pagar impostos na emissão de cada nota fiscal de vendas, e não uma vez por mês, como é comum.
No início de junho, estabeleceu prazo de 30 dias para que renovem suas inscrições estaduais, com a identificação dos proprietários. Ao pedir a liminar contra a fiscalização estadual, a Copape alega que vem tendo “sérios prejuízos mercadológicos, eis que lesa a sua imagem ante os seus compradores, que deixam de adquirir suas mercadorias”.
Para especialistas, a situação da Copape levanta questões sobre a legislação para formuladores de combustíveis e os efeitos da guerra fiscal entre estados. Atualmente, há três empresas desse tipo em operação e uma com pedido de registro na ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis).
Alguns estados têm beneficiado a importação de combustíveis, o que gera problemas concorrenciais com as refinarias, segundo o setor. Nesta quinta (24), o IBP (Instituto Brasileiro do Petróleo) divulgou nota questionando benefícios na Zona Franca de Manaus, alvo de debate no Congresso.
“A manutenção dessa condição não isonômica na ZFM tem conferido a algumas empresas uma vantagem competitiva relevante na comercialização de combustível importado em detrimento da produção de combustíveis na região”, diz o texto.
O governo de São Paulo já pediu ao Confaz (Conselho Nacional de Polícia Fazendária) revisão das regras tributárias sobre os formuladores para equipará-los às refinarias de combustíveis, reduzindo o prazo para pagamento dos impostos.
OUTRO LADO
Por meio de nota, a Copape diz que a empresa e a Aster foram adquiridas por um “um fundo de investimentos bastante estruturado”, deixando de ser empresas familiares e passando para uma estrutura profissionalizada de gestão, buscando ganhos de mercado.
O crescimento das vendas, diz, “é fruto da profissionalização da empresa e de investimentos em produtividade e redução de custos”. A companhia diz que as estratégias comerciais de empresas privadas não devem ser discutidas publicamente, mas “que não existe qualquer ilegalidade sendo cometida.”
“Ocorre que, ao conquistar sucesso comercial, Copape e Aster estão desagradando o poderoso oligopólio dos combustíveis, que se mantém no Brasil há décadas, dominando um importante setor da economia”, diz. “Temos sido alvo da perseguição desse grupo organizado.”
A empresa diz que tem investido em governança corporativa e compliance, mas que vem tendo prejuízos financeiros e à sua imagem por ter se tornado alvo de operações da Polícia Civil, ANP e do governo estadual. “Vale destacar que em todas as operações não foram identificadas quaisquer irregularidades.”
Suas importações, diz, “são regulares e seguem os ditames e regras estabelecidas na legislação nacional” e, por isso, a companhia defende que as medidas tomadas pela Secretaria de Fazenda de São Paulo são “abusivas e flagrantemente ilegais”.
“O fisco paulista, em sua visão, parece desrespeitar a posição da Suprema Corte, tomada em sede de repercussão geral”, afirma. “Como a medida é abusiva, ilegal e imotivada, a empresa socorreu-se do Judiciário para o restabelecimento regular das suas atividades, assim como qualquer organização ou cidadão brasileiro deve fazer.”