FOLHAPRESS E AGÊNCIA BRASIL
O depoimento de João de Deus, 76, na noite de domingo, em Goiânia, teve uma sequência de imprevistos que deixou os investigadores desconfiados.
Na hora de o médium falar, segundo os presentes, o computador usado para registrar as alegações do preso parecia ter vida própria. “Você apertava uma tecla e ela OOOOOOOOO…”, descreveu a delegada Karla Fernandes, coordenadora da força-tarefa responsável pelo caso na Polícia Civil.
Estava calor, e a delegada resolveu usar uma extensão para ligar o ar-condicionado. Segundo relata, o fio explodiu e, de quebra, queimou o frigobar. “Todo mundo gritou dentro da sala”, disse.
João de Deus foi preso no domingo sob suspeita de abusos sexuais de suas pacientes em Abadiânia, no interior de Goiás. A oitiva com o médium estava marcada para ocorrer em Anápolis, cidade próxima à capital goiana, mas um imprevisto tirou o escrivão de circulação. Ele foi atropelado na BR-060, a caminho da delegacia, e quebrou o braço.
O depoimento foi transferido para Goiânia. Foi possível domar o teclado, todos se recuperaram do susto da explosão do fio do frigobar e o interrogatório seguiu por mais de duas horas.
Para a delegada, os episódios podem não ser apenas obra do acaso. “Estamos diante de uma situação que envolve crenças e energias.”
Questionada se estava com medo, disse: “Não, mas tenho respeito, até porque sou espiritualista”. Ela classifica João de Deus como um homem que tem, de fato, “um poder”. “Mas houve um desvio no meio do caminho”, disse a delegada.
No depoimento que prestou à polícia, o médium negou qualquer tipo de culpa nos abusos sexuais dos quais é suspeito, e sua defesa tentou desqualificar as denunciantes. “Ele não admite [envolvimento]. Apresenta suas versões e cabe à polícia provar”, afirmou o delegado-geral da Polícia Civil de Goiás, André Fernandes, que acompanhou a oitiva.
O médium falou por mais de duas horas a duas delegadas. Segundo a delegada Karla, ele respondeu a todas as perguntas e se recordou de alguns atendimentos feitos a mulheres que o denunciaram.
O suspeito disse que a regra era recebê-las coletivamente, e não em recintos individuais, como consta dos relatos de supostas vítimas.
PRISÃO DOMICILIAR
O advogado Alberto Toron, que defende o médium João de Deus, de 76 anos, entrou ontem à tarde com habeas corpus para transformar a decisão judicial de prisão preventiva em prisão domiciliar com tornozeleira. Segundo o advogado, é preciso levar em conta a idade avançada e o estado de saúde de João de Deus.
O médium passou a noite em uma cela de 16 metros quadrados com pia e vaso sanitário, no Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia, denominado Núcleo de Custódia. O pedido de prisão preventiva se sustentou em 15 denúncias já formalizadas em Goiânia – todas por crimes sexuais.
Ainda no domingo, João de Deus foi submetido a exame de corpo de delito. O médium, segundo os advogados, é cardíaco e superou há pouco tempo um câncer.
Apenas no final da tarde de domingo João de Deus se entregou, em uma estrada de terra na região de Abadiânia, em Goiás. De acordo com os advogados, o lugar foi escolhido para preservar o médium. Porém, policiais confirmaram que houve uma longa negociação para ele se entregar.
MP recebe mais de 500 relatos
A força-tarefa, criada pelo Ministério Público de Goiás, para apurar as acusações de abuso sexual contra o médium João Teixeira de Faria, o João de Deus, recebeu até ontem 506 relatos de mulheres que denunciam crimes sexuais envolvendo o médium. Há uma semana, desde que o grupo foi criado, o número de denúncias aumenta.
O delegado-geral da Polícia Civil de Goiás, André Fernandes, confirmou que o pedido de prisão preventiva contra João de Deus se baseou em 15 denúncias, já formalizadas, aos policiais. Nelas, as mulheres prestaram depoimento separadamente e contaram relatos semelhantes sobre o suposto modo de agir do médium.
De acordo com o Ministério Público, há possíveis vítimas também no Ceará, Mato Grosso e Rio Grande do Norte. Anteriormente, as investigações se concentravam em Goiás, no Distrito Federal, em Minas Gerais, em São Paulo, no Paraná, no Rio de Janeiro, em Pernambuco, no Espírito Santo, Rio Grande do Sul, no Mato Grosso do Sul, no Pará, em Santa Catarina, no Piauí e no Maranhão.
Há, ainda, relatos de suspeitas em seis países: Alemanha, Austrália, Bélgica, Bolívia, Estados Unidos e Suíça. (Agência Brasil)