Na última sessão como ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), o decano Celso de Mello refutou nesta quinta-feira (8) a concessão de “privilégios” e “tratamento seletivo” e defendeu que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) deponha presencialmente à Polícia Federal.
O julgamento do recurso que discute o pedido do chefe do Executivo para ser interrogado por escrito, porém, foi suspenso. O presidente da corte, ministro Luiz Fux, ainda não informou a data de retomada da análise do caso.
Celso é o relator do inquérito que apura as acusações do ex-ministro Sergio Moro de que o presidente da República tentou violar a autonomia da PF.
O decano disse que a República e a democracia não preveem privilégios a quem quer que seja, independentemente do cargo que ocupa.
“Não custa insistir, neste ponto, por isso mesmo, na asserção de que o postulado republicano repele privilégios e não tolera discriminações, impedindo que se estabeleçam tratamentos seletivos em favor de determinadas pessoas”, disse.
O ministro está há 31 anos no STF e é considerado uma referência. Em um voto que durou pouco mais de duas horas, o magistrado reafirmou a decisão individual de determinar ao presidente que deponha presencialmente no caso.
O decano sustentou que o Código de Processo Penal prevê o direito de ser interrogado por escrito apenas em casos em que a autoridade é testemunha do caso.
A ideia de República, disse o ministro, traduz valor fundamental de que todos são iguais perante a lei.
“Ninguém, absolutamente ninguém, tem legitimidade para transgredir e vilipendiar as leis e a Constituição de nosso País. Ninguém, absolutamente ninguém, está acima da autoridade do ordenamento jurídico do Estado”, ressaltou.
A AGU (Advocacia-Geral da União) e a PGR (Procuradoria-Geral da República) haviam se manifestado em favor do interrogatório por escrito.
A Procuradoria argumentou ao Supremo que, “dada a estatura constitucional da Presidência da República e a envergadura das relevantes atribuições atinentes ao cargo, há de ser aplicada a mesma regra em qualquer fase da investigação ou do processo penal”.
Celso, no entanto, rebateu o argumento da PGR e sustentou que o Estado Democrático de Direito não pode dar tratamento diferenciado a quem quer que seja, independentemente do cargo que ocupa.
“O senhor presidente da República -que, nesta causa, possui a condição de investigado- deverá ser inquirido sem a prerrogativa que o art. 221, § 1º, do CPP confere, com exclusividade, apenas aos chefes dos Poderes da República, quando forem arrolados como testemunhas e/ou como vítimas”, afirmou Celso.
No recurso, a AGU citou o precedente do ex-presidente Michel Temer (MDB) e afirmou que Bolsonaro tem direito de depor por escrito.
O ministro deu uma resposta ao argumento da defesa do presidente e invocou a decisão de ministro Teori Zavascki de negar esse direito ao então cchefe do Senado, Renan Calheiros.
“Essa especial prerrogativa de prestar depoimento por escrito, no entanto, não tem aplicabilidade nem se mostra pertinente quando as autoridades públicas figurarem, como sucede, no caso ora em exame, com o atual Presidente da República, como pessoas sob investigação criminal”, observou.
Celso defendeu também que seja assegurado ao ex-ministro Moro o direito de, a seu critério, por meio de advogados, estar presente ao interrogatório de Bolsonaro, garantindo inclusive que façam perguntas.
Segundo o magistrado, o interrogatório no curso do inquérito é um “expressivo meio de defesa do investigado” e conduz ao “reconhecimento da possibilidade de o investigado coparticipar, ativamente, do interrogatório dos demais coinvestigados“.
“Traduz projeção concretizadora da própria garantia constitucional da plenitude de defesa, cuja integridade há de ser preservada por juízes e Tribunais, sob pena de arbitrária denegação, pelo Poder Judiciário, dessa importantíssima franquia constitucional”, disse.
Ao concluir, Celso disse que Bolsonaro, embora seja presidente, “não dispõe de qualquer das prerrogativas concedidas a testemunhas, o que significa “que a inquirição do Chefe de Estado, no caso em exame, deverá observar o procedimento normal de interrogatório”.
Ao final, o presidente do Supremo, Luiz Fux, afirmou que o mais adequado seria “findar a sessão com a última palavra” de Celso na corte. “Estamos aqui extremamente emocionados e ao mesmo tempo nos lamentando que essa será sua última lição na qualidade de ministro”.
Fux não antecipou sua posição, mas classificou o voto de Celso como “magnífico”.