Joe Biden havia prometido, na campanha presidencial de 2020, reverter algumas das políticas anti-Cuba do governo Donald Trump, mas o anúncio desta quinta-feira sugere pouco apetite para retomar a aproximação
Na primeira ação concreta do presidente Joe Biden para colocar pressão sobre Cuba desde o início da onda de protestos na ilha, o governo americano anunciou nesta quinta-feira (22) uma nova rodada de sanções contra o regime comunista.
“Este é apenas o começo; os EUA continuarão a punir os responsáveis pela opressão do povo cubano”, disse o democrata, pouco após o anúncio das medidas.
De acordo com o site do Departamento do Tesouro, as sanções foram impostas contra o general Alvaro Lopez Miera, ministro das Forças Armadas Revolucionárias, e uma unidade de segurança do Ministério do Interior por violações de direitos humanos durante a repressão às manifestações, as maiores registradas em Cuba em décadas.
Os efeitos imediatos da medida ainda não estão claros, mas a expectativa é de que consistam em congelamento de bens em território americano, bem como a proibição de viagens aos EUA. Esse tipo de ação tem um efeito mais simbólico que prático, com o intuito de denunciar e expor alvos da política externa de Washington.
O ministro das Relações Exteriores de Cuba, Bruno Rodríguez, criticou as novas sanções em uma rede social. “[O governo dos EUA] deveria aplicar a si mesmo a Lei Magnitsky pelos atos de repressão cotidiana e brutalidade policial”, disse o chanceler, referindo-se à lei americana que impõe sanções aos cidadãos de todo o mundo que cometerem abusos de direitos humanos e atos de corrupção.
Rodríguez afirmou também que o Departamento de Estado americano está pressionando países europeus e latino-americanos a condenarem o regime cubano, e acusou o Brasil de apoiar esse esforço. “Descaradamente, Jair Bolsonaro está oferecendo apoio”, disse.
Joe Biden havia prometido, na campanha presidencial de 2020, reverter algumas das políticas anti-Cuba do governo Donald Trump, mas o anúncio desta quinta-feira sugere pouco apetite para retomar a aproximação, que havia sido ensaiada na era Barack Obama.
Por outro lado, políticos americanos disseram à agência de notícias Reuters que o governo também busca maneiras de aliviar o sufoco cubano e ao mesmo tempo manter o regime comunista sob pressão. Cuba está sob embargo comercial e econômico dos EUA há seis décadas, medida hoje sustentada pelo lobby doméstico de cubanos exilados nos EUA, mas que não tem grande apoio da comunidade internacional.
Em entrevista ao jornal americano The Washington Post, um oficial sênior da Casa Branca disse, sob anonimato, que reunir um pacote de evidências que comprovem abusos das autoridades cubanas é um trabalho que poderia levar semanas. Em vez disso, Biden teria feito com que os departamentos de Estado e do Tesouro “abandonassem tudo o que estavam fazendo” para dar prioridade às novas sanções.
Na terça-feira (20), a Casa Branca havia dito que o governo Biden formaria um grupo de trabalho para revisar a política de envio de remessas de dinheiro para a ilha. O objetivo seria determinar uma maneira de cubano-americanos mandarem dinheiro para suas famílias e ao mesmo tempo garantir que esses fundos não caiam na mão do regime liderado por Miguel Díaz-Canel.
Os EUA também trabalham com o setor privado e com o Congresso para buscar maneiras de tornar a internet mais acessível em território cubano, disse o porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, ao pedir que as autoridades da ilha restabeleçam completamente a internet, que havia sido cortada após os protestos.
Enquanto isso, grupos residentes nos EUA e contrários ao embargo americano organizaram uma campanha de financiamento e anunciaram nesta quarta (21) a doação de 6 milhões de seringas para ajudar na campanha de vacinação contra a Covid em Cuba. Dois milhões já teriam sido entregues no porto de Mariel.
A ação foi coordenada pela Global Health Partners, organização que há décadas envia suprimentos médicos à ilha, e arrecadou US$ 500 mil (R$ 2,6 milhões). O regime cubano alega, desde o início da crise sanitária, enfrenta dificuldade para adquirir insumos médicos em razão do embargo.
À agência France-Presse, Medea Benjamin, cofundadora do grupo feminista Codepink, um dos que participaram da campanha, disse que, ainda que o embargo não impeça o envio de ajuda humanitária, ele torna o processo para isso “demorado e difícil”.
“É muito difícil encontrar uma empresa disposta a vender, ainda que seja legal. Elas têm medo, e o mesmo acontece com as companhias navais, sempre aterrorizadas pelo governo dos EUA e pela represália dos cubano-americanos de direita”, afirmou.
Ainda que tenha conseguido controlar a pandemia, Cuba vive um aumento do número de casos nas últimas semanas. A ilha caribenha começou a imunizar a população em maio, com uma vacina própria -a Abdala, uma das cinco desenvolvidas no país. Foi a crise sanitária, porém, uma das faíscas para a eclosão dos atos populares em 11 de julho, os maiores desde a década de 1990.
Com o setor do turismo paralisado em 2020, o PIB cubano recuou 11%. O cenário aprofundou a crise econômica do país, que sofre com o desabastecimento de alimentos e suprimentos médicos. Quando foram às ruas, os cubanos pediam políticas mais efetivas para reverter a asfixia financeira, mas também reivindicavam mais liberdade.
O governo cubano acusa os manifestantes de serem financiados pelos americanos e convocou, no último sábado (17), uma multidão de apoiadores às ruas de Havana para reafirmar os ideais da Revolução Cubana e reiterar as críticas a Washington. Díaz-Canel reitera que o embargo comercial e econômico é a fonte de todos os problemas do país, argumento refutado por especialistas em relações internacionais.
Analistas ouvidos pela reportagem explicam que, além da pandemia, as manifestações são impulsionadas pela redução no poder de compra, desencadeada pelo plano cubano de reunificação das moedas, e também pela perda da capacidade de diálogo de instituições criadas pelo Partido Comunista de Cuba com alguns setores, em especial os mais jovens, que querem mais abertura política.