sábado, 23 novembro 2024

Fim do auxílio deixa cenário incerto no varejo

Mesmo ainda em meio à pandemia da Covid-19 no Brasil, o varejo bateu recorde no volume de vendas no mês de agosto, com uma alta de 3,4%, segundo pesquisa divulgada ontem pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). O resultado fez o setor superar em 8,9% o patamar de fevereiro, último mês antes da crise sanitária.

Após crescimento de 5% em julho, o volume de vendas do varejo atingiu em agosto o maior patamar da série histórica da pesquisa.

Mesmo assim, no acumulado do ano, o setor registra queda de 0,9%. Nos últimos 12 meses, a alta é de 0,5%.

Para especialistas, o crescimento dos últimos meses é reflexo principalmente da utilização do auxílio emergencial de R$ 600 pago pelo governo.

Porém, com o iminente fim do benefício, que foi reduzido a R$ 300 em setembro e cujo pagamento termina em dezembro, a tendência é que o volume de vendas deixe de ter um crescimento tão elevado e apresente um cenário incerto, especialmente para o próximo ano, quando o programa já terá sido extinto.

Além disso, outros setores da economia não vêm mostrando a mesma recuperação do varejo – a indústria ainda não voltou ao patamar pré-pandemia e serviços seguem atrás, assim como o mercado de trabalho, que vem sofrendo com o desemprego, o desalento e a subutilização da mão de obra.

O economista Thiago Moraes Moreira, do Ibmec, vê o cenário complicado para 2021.

“Vejo uma série de dificuldades para manter essa trajetória ascendente. O mercado de trabalho está com dificuldade de se recuperar, assim como setores dos serviços com peso importante na economia, que envolvem aglomeração e contato. Outro ponto é a dificuldade financeira de micro e pequenas empresas”, disse.

Moraes Moreira citou a importância do auxílio ao analisar individualmente o desempenho do comércio pelas regiões do País, com crescimento mais acelerado em locais que tiveram maior número de beneficiados pelo programa.

“[As vendas nos] Estados do Norte e Nordeste cresceram em uma velocidade de 55%, entre abril e agosto. No Centro-Oeste, Sudeste e Sul, foi a metade disso, 27,5%. Isso mostra a influência do auxílio e que sem ele esse número do comércio vai provavelmente cair”, disse.

Dados do IBGE já haviam mostrado que o auxílio emergencial chegou a 43% dos 68 milhões de domicílios brasileiros.

Em média, cada um deles ficou com R$ 846,50. Os domicílios com menor renda per capita foram os mais beneficiados.

Entre os 10% mais pobres, o rendimento médio familiar disparou 3.705% com o reforço do benefício. Na faixa imediatamente superior, o ganho foi de 150%.

Economistas temem que o aquecimento da atividade econômica seja interrompido com o fim do auxílio, uma vez que o mercado de trabalho não dá sinais de retomada.

Como fim do auxílio, avaliam, pessoas que estão sem trabalho voltariam a procurar emprego em um momento em que há poucas vagas disponíveis. Sem renda, o aquecimento da atividade diminuiria.

“O mercado de trabalho está sofrendo bastante e apresenta uma variável sempre mais lenta, principalmente em uma situação como a de hoje, que é uma crise sanitária que teve reflexos econômicos, experimentando o isolamento social”, explicou Mayara Santiago, pesquisadora da área de Economia Aplicada da FGV (Fundação Getúlio Vargas).

Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos, viu com positivo o resultado do comércio e apontou um processo de recuperação vindo de maneira célere, apesar de se dar em parte pelo auxílio emergencial. Ele vê como natural o medo pelo fim do benefício e avalia que a situação deve ser monitorada, mas é inevitável.

“Estamos vendo uma normalização do fluxo de impacto na economia, porque no final existe um limite para conceder esse benefício”, avaliou.

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