quinta-feira, 18 abril 2024

Fóssil de 17 metros achado nos EUA explica evolução de gigantes do mar

Com idade estimada em 246 milhões de anos, o ictiossauro pode ser o mais antigo “gigante” já descoberto até então, com um crânio com cerca de dois metros de comprimento da ponta do focinho até a base da cabeça, na ligação com o pescoço, e um tamanho corporal estimado de 17 metros

A voluntária do Instituto Dinossauro do Museu de História Natural de Los Angeles, Viji Shook, deitada ao lado do crânio do ictiossauro Cymbospondylus youngorum (Foto: Martin Sander/Museu de História Natural de Los Angeles)

As baleias-azuis são hoje os maiores seres vivos que existem na Terra –ou, mais precisamente, nos mares. Mas será que a vida nos oceanos sempre favoreceu um porte gigante ou ele só surgiu depois na história evolutiva desses animais?

O formato e o tamanho do corpo semelhantes aos das baleias apareceram algumas vezes na história evolutiva dos vertebrados, sendo os primeiros um grupo de répteis marinhos –que não são dinossauros–conhecidos como ictiossauros. E, no caso desses animais, um corpo gigante evoluiu logo no início e muito rapidamente no grupo.

É isso que revela uma nova espécie de ictiossauro encontrada em rochas da formação Fossil Hill, em Nevada, nos Estados Unidos. Batizado de Cymbospondylus youngorum (em homenagem ao casal Tom e Brenda Young, donos de uma cervejaria na região e que financiaram a escavação), o artigo descrevendo o achado foi publicado em dezembro na revista científica Science.

O fóssil foi escavado por um time de paleontólogos do Museu de História Natural de Los Angeles. O trabalho contou com colaboração de pesquisadores das Universidades de Bonn e Mainz, na Alemanha, e da Universidade Católica da Santíssima Concepção, no Chile.

Com idade estimada em 246 milhões de anos, o ictiossauro pode ser o mais antigo “gigante” já descoberto até então, com um crânio com cerca de dois metros de comprimento da ponta do focinho até a base da cabeça, na ligação com o pescoço, e um tamanho corporal estimado de 17 metros, ou nove metros a menos que uma baleia-azul adulta.

Apesar da distância tanto filogenética –baleias são mamíferos, o fóssil é um réptil– quanto geológica –o ancestral comum mais recente dos cetáceos atuais, grupo que inclui as baleias e golfinhos, viveu há 56 milhões de anos, no período Eoceno, enquanto o réptil é pelo menos 190 milhões de anos mais antigo–, o corpo dos ictiossauros e das baleias se parece tanto na forma quanto no tamanho que podiam atingir.

No estudo, os cientistas fizeram uma análise de como esses dois grupos tão distintos de vertebrados evoluíram com formas do corpo semelhantes (basicamente, os ictiossauros parecem um golfinho primitivo).

“Nossa pergunta era como o tamanho do corpo evoluiu nesses animais e em qual velocidade, porque já tínhamos indícios de uma diversificação explosiva do grupo no início do Triássico [há 249 milhões de anos]”, explica o professor do Claremont College e também o pesquisador associado do Museu de História Natural em Los Angeles, Lars Schmitz.

A surpresa veio, primeiro, ao ver que o novo fóssil não tinha relação com um outro descrito pelo grupo em 2013, conhecido apenas pela parte de trás do crânio –o “focinho” estava perdido.

“Ficamos realmente muito surpresos ao descobrir que era uma outra espécie de um ictiossauro de grande porte da mesma localidade e começamos a nos perguntar: ‘o que significa esse tamanho gigante nesses répteis tão cedo na sua origem?'”, indaga o primeiro autor do estudo, o paleontólogo Martin Sander, da Universidade de Bonn, na Alemanha.

Além do tamanho, os pesquisadores quiseram também entender a função e a dinâmica de um corpo avantajado no mar, e também como era a dieta desses animais, porque organismos de grande porte, em geral, precisam de muita energia para sobreviver.

“Começamos com uma pergunta de ‘quem come quem’, e aí fizemos análises para estimar quais seriam as possíveis relações de cadeia alimentar naquele ambiente, considerando também a morfologia do crânio, dos dentes e do corpo desses animais”, explica Eva Maria Griebeler, especialista em ecologia e evolução na Universidade de Mainz.

No ictiossauro, os dentes cônicos e relativamente curvados para trás indicavam uma dieta baseada em peixes e outros vertebrados aquáticos, como répteis menores. Já as grandes baleias (conhecidas como misticetos), como a baleia-azul e a jubarte, perdem os dentes e se alimentam de grandes quantidades de krill (ou plâncton).

Os golfinhos e as orcas, que são chamados de odonticetos, apareceram depois na história evolutiva desses mamíferos. O curioso é que mesmo em outros mamíferos aquáticos, como os peixes-boi e os (extintos) elefantes-marinhos, a forma e tamanho semelhante aos das baleias não apareceu, explica Velez-Juarbe.

Os cientistas calcularam o tamanho e peso dos fósseis conhecidos de ictiossauros e rodaram modelos evolutivos desses animais.

O resultado foi que o novo réptil é considerado basal na história evolutiva do grupo (isto é, veio de uma linhagem que divergiu cedo do ancestral comum terrestre), mas já tinha um corpo gigante, indicando uma taxa evolutiva muito rápida. O tempo de vida que separa o C. youngorum do seu ancestral terrestre foi de 3 milhões de anos.
Já nas baleias, formas gigantes apareceram de maneira muito mais lenta e gradual. Isso ocorreu a partir de ancestrais terrestres quadrúpedes que pareciam mais um cruzamento de antas com cachorros (mas não tinham nenhuma relação nem com o primeiro, nem com o segundo), há 56 milhões de anos.

Jorge Velez-Juarbe, do departamento de mastozoologia do Museu de História Natural de Los Angeles, explica que as baleias cresceram em um ritmo muito menor do que os ictiossauros.

“Nós só começamos a ver as grandes espécies de baleias muito tardiamente na sua história evolutiva, quando elas perdem os dentes no grupo conhecido como misticetos”, afirma.

As mudanças físicas desse grupo, como o desaparecimento das patas traseiras e depois das dianteiras, com nadadeiras no lugar, e a posição da narina que migrou da frente para o topo do crânio favoreceram uma vida aquática desses animais pouco a pouco.

Mas nem tudo seriam águas calmas na evolução dos ictiossauros. Cerca de 50 milhões depois de sua origem, esses répteis marinhos passaram por um processo de extinção no final do Triássico, e as linhagens que sobreviveram no Jurássico e perduraram até o final do Cretáceo, há 90 milhões de anos, eram em geral menores e mais semelhantes aos golfinhos atuais –algumas exceções, como um ictiossauro gigante encontrado na Inglaterra e anunciado na última segunda (10), tinham tamanhos elevados.

O time de paleontólogos, inclusive, busca entender um pouco mais sobre como era o ecossistema marinho do Triássico, muito menos diverso quanto aos organismos chamados produtores primários, abundantes nos dias atuais.

“O único jeito de ficar tão grande e tão rápido é se alimentando da base da cadeia alimentar, onde há mais abundância, e não foi o que aconteceu com os ictiossauros. Algumas espécies eram inclusive o que chamamos de raptoriais, isto é, caçavam ativamente outros vertebrados, talvez outros ictiossauros até. O que é também intrigante, pois muitos desses animais se extinguiram na passagem do Triássico para o Jurássico, e depois as formas que continuam se alimentam essencialmente de peixes e de moluscos, como os amonites”, diz Sander. 

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