Modelos de baixa cilindrada, usados pelos entregadores, aquecem o mercado ilegal de peças, segundo analisa Erivaldo Costa, coordenador Departamento de Pesquisas em Economia do Crime da Fecap
Era hora do almoço quando o motoboy Leandro, 40, estacionou sua moto no bolsão de um prédio comercial na Vila Olímpia, zona sul de São Paulo, para a sua primeira entrega do dia. Como sempre costumava fazer, subiu para levar o pedido. Ao retornar, minutos depois, deu de cara com o vazio. O entregador entrava ali, em abril do ano passado, para as estatísticas. O número de casos de furtos de motocicletas já é maior que o antes da pandemia do novo coronavírus.
Estudo realizado pela Fecap (Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado), em parceria com a empresa de rastreamento Tracker, com base em boletins de ocorrência registrados pela Polícia Civil, apontou que 20.532 motos foram furtadas em 2021 no estado de São Paulo, contra 20.439 em 2019.
Na comparação com 2020 (com 16.178 casos registrados), quando a pandemia foi decretada e as ruas acabaram vazias, principalmente entre março e o início do segundo semestre, o registro de furtos de motocicletas cresceu 27%.
Sem passar números oficiais, em nota a SSP (Secretaria da Segurança Pública) diz não comentar pesquisas cuja metodologia desconhece e que os dados apresentados diferem dos oficialmente registrados pela pasta.
O entregador Leandro, que pediu para não ter o sobrenome publicado, conta que a gravação do sistema de segurança do condomínio mostrou que, logo após ele estacionar a moto ali, uma Kombi parou ao lado e duas pessoas jogaram a sua Honda dentro do veículo. Desde então, o motoboy diz não levar mais a entrega até as mãos do cliente. “Não saio mais de perto da moto, peço para a pessoa descer.”
Na capital paulista, segundo a pesquisa, o salto foi ainda maior, de 33,6%, entre 2020 e 2021, passando de 6.488 motos furtadas para 8.671.
De acordo com a pesquisa, os furtos de moto na cidade de São Paulo se concentraram em bairros mais centrais devido ao crescimento de serviços de entregas. As ruas campeãs em 2021 foram Voluntários da Pátria (66 casos), em Santana, na zona norte, e Maestro Cardim (33) e Treze de Maio, ambas na Bela Vista (28), segundo o levantamento.
No caso dos roubos -que na capital caíram 8,5% de 2020 para 2021, passando de 5.700 para 5.214-, os números são mais maiores em bairros periféricos. As vias com mais registros deste tipo de ocorrência foram a avenida Jacu-Pêssego, na zona leste (69 casos) e Raimundo Pereira de Magalhães (58), na zona norte.
Modelos de baixa cilindrada, usados pelos entregadores, aquecem o mercado ilegal de peças, segundo analisa Erivaldo Costa, coordenador Departamento de Pesquisas em Economia do Crime da Fecap.
Gilberto de Almeida, presidente do Sindicato dos Motoboys de São Paulo, afirma que é comum ver em grupos de WhatsApp relatos de desespero de pessoas que tiveram a moto furtada ou roubada na cidade de São Paulo ou de casos de furtos de peças.
“Teve gente que já relatou ter encontrado a moto quando voltou para pegar sem os amortecedores traseiros ou sem o módulo [para injeção do combustível”, afirma o sindicalista, que cobra mais policiamento, principalmente na periferia.
Segundo a SSP, operações coordenadas pela Polícia Civil resultaram, neste ano, na prisão de mais de 20 pessoas suspeitas de participarem do comércio ilegal de motopeças.
De acordo com a pasta, nos últimos anos, somente na região central da capital paulista, mais de 130 estabelecimentos comerciais foram vistoriados, sendo 47 deles interditados e mais de 200 toneladas de peças irregulares apreendidas.
“Com o envelhecimento da frota de motocicletas, é natural a necessidade de reposição de peças, porém, devido aos preços mais elevados, muitos acabam recorrendo a este mercado paralelo”, diz Vitor Correa, coordenador do Centro de Operações do Grupo Tracker.
Para o ex-secretário nacional de Segurança Pública José Vicente da Silva Filho, coronel da reserva da PM de São Paulo, a expansão no mercado de motocicletas criou uma nova demanda para o crime -segundo a Abraciclo, associação que reúne os principais fabricantes no país, a produção de motos cresceu 24,2% em 2021, na comparação com o ano anterior.
“Por causa da pandemia, a motocicleta passou a ter uma presença muito maior nas grandes cidades brasileiras. Isso cria oportunidade para crime, com maior demanda”, afirma.
Roubos Se por um lado cresce o número de motos furtadas, o de roubo vem apresentando queda nos últimos anos. De acordo com o levantamento, no ano passado foram 12,9 mil registros desse tipo de ocorrência no estado, contra 13,7 mil em 2020, uma queda de 6%.
Mas a menor quantidade de roubos ao longo dos últimos anos não impediu que o motoboy Izaias Nunes da Silva, 31, escapasse da violência. Por volta das 14h do último dia 19 de março, uma dupla armada o rendeu ao chegar para fazer uma entrega de comida em Cotia, na Grande São Paulo, onde mora. Segundo ele, um dos ladrões arremessou em sua cara a feijoada que levava para uma cliente e depois disparou um tiro, que não o acertou.
Para Silva, sobrou uma dívida de R$ 10 mil do financiamento de sua Honda CG 160 e a incerteza de quando vai conseguir juntar dinheiro para pagar o que deve e comprar outro veículo para trabalhar. O caso está sendo investigado pelo 2º DP de Cotia.
Já o empresário Vinícius Marcondes, 43, só não se livrou de ter um prejuízo maior porque sua Suzuki V-Strom 650 tinha seguro. A moto foi roubada no dia 18 de fevereiro deste ano, quando ele voltava de São Paulo para Jundiaí, onde mora, por volta das 22h. Ele foi rendido na região do Pico do Jaraguá, na zona norte, por duas pessoas em outra moto, sendo que o garupa estava armado.
A motocicleta, ano 2017 e avaliada em R$ 43 mil, foi encontrada pela polícia no dia seguinte em Pirituba, também na zona norte. Mas, como sofreu danos por causa de uma queda, não teve como ser recuperada.
“Essas motos de grande porte são roubadas por encomenda ou para ostentar no fim de semana”, afirma Erivaldo Costa, da Fecap. O dono da Suzuki roubada na zona norte conta ter reconhecido sua moto em vídeos de um baile funk publicados em redes sociais.
Segundo trecho da nota da Secretaria da Segurança Pública, desde 21 de março está em curso a operação Capital Mais Segura, que fiscaliza motocicletas e condutores em pontos com maior incidência de crimes dessa natureza. “Nesse período, mais de 100 criminosos já foram presos e 35 veículos, apreendidos”, afirma a pasta.