Em nota assinada pelo Itamaraty e pelos ministérios da Economia, Saúde e Ciência e Tecnologia, o governo Jair Bolsonaro (sem partido) elogiou a proposta dos Estados Unidos de defender a quebra de patentes de vacinas da Covid, mas evitou endossar a iniciativa americana.
“O governo brasileiro recebeu com satisfação a disposição dos EUA para negociar, no âmbito da OMC [Organização Mundial do Comércio], solução multilateral que contribua para o combate à Covid-19, bem como para intensificar seus esforços –em conjunto com o setor privado e demais partes interessadas– para aumentar a produção e distribuição de insumos e vacinas em âmbito global”, diz a nota.
Numa mudança histórica de posição, o governo Joe Biden declarou apoio à suspensão temporária de direitos de propriedade intelectual de imunizantes contra a Covid. Dessa forma, Biden alinhou os americanos na OMC a uma ideia lançada pela Índia e pela África do Sul e que tem o apoio de dezenas de países.
No entanto, a possível quebra de patentes de vacinas conta com a oposição de países europeus como França e Alemanha. Os EUA até antes do anúncio de Biden estavam nesse grupo.
No comunicado divulgado nesta sexta, o Brasil não anunciou apoio à quebra de patentes. Com isso, a posição do país no tema permanece a de defender uma terceira via, em iniciativa copatrocinada na OMC por Austrália, Canadá, Chile, Colômbia, Equador, Nova Zelândia, Noruega e Turquia.
A chamada terceira via consiste em impulsionar iniciativas que garantam a ampliação da produção global de imunizantes, como a redução de barreiras comerciais e a identificação de capacidade ociosa em diferentes países, mas sem tocar em propriedade intelectual.
O principal argumento dos negociadores brasileiros para não apoiar a quebra de patentes até o momento é que a suspensão dos direitos de propriedade intelectual, segundo eles, não levaria a uma ampliação imediata da oferta de vacinas no mundo.
Isso porque o processo de engenharia reversa é complexo e mesmo com o apoio das farmacêuticas a reprodução das fórmulas em laboratório precisaria de tempo para ser concluída com sucesso.
A posição atual do Brasil foi exposta pelo chanceler Carlos França ao Senado, na quinta-feira (6).
“O maior gargalo hoje para o acesso a vacinas são os limites materiais da capacidade de produção. E o fato é que as vacinas são quase impossíveis de copiar, a curto ou médio prazo, sem o apoio dos laboratórios que as desenvolveram, mesmo com o auxílio da patente”, afirmou
Na nota do governo, os quatro ministérios citam que a “flexibilização de posições dos EUA e de demais parceiros na OMC poderá contribuir para os esforços internacionais de resposta à Covid, inclusive nas negociações em curso sobre suspensão temporária de disposições no acordo de TRIPS [que rege as regras de propriedade intelectual] relativas ao combate à pandemia”.
“Poderá, em particular, facilitar a implementação das propostas da ‘terceira via’, que visam a aumentar e diversificar a produção e disseminação de vacinas, principalmente em países em desenvolvimento, com melhor utilização de capacidade ociosa.”
Numa demonstração de que está preocupado com a reação das farmacêuticas, que se opõem à quebra das patentes, a nota do governo brasileiro destaca que, em qualquer cenário, “será fundamental contar com o engajamento, a cooperação e a parceria dos detentores de tecnologias para a produção de vacinas de maneira a viabilizar sua produção no Brasil e demais países em desenvolvimento”.
Além das negociações na OMC, tramita no Congresso brasileiro um projeto que prevê a quebra de patentes de vacinas da Covid.
O governo Bolsonaro trabalha para evitar sua aprovação na Câmara, sob o argumento de que o aval parlamentar pode transmitir a imagem de que o país não respeita regras de propriedade intelectual.
Segundo auxiliares, caso o texto seja aprovado, negociações por vacinas poderiam ser paralisadas por quebra de direito de propriedade intelectual. Acordos de transferência tecnológica também estariam em risco.