sexta-feira, 19 abril 2024

Grupo estimula contratações de profissionais com mais de 50 anos

Há seis anos, quando saiu do mercado corporativo em meio a um grande reestruturação da empresa em que trabalhava, Silvia Pessoa, hoje com 60 anos, imaginou que seria mais fácil encontrar nova vaga.

Não foi bem o que aconteceu. Os anos de experiências em recursos humanos e segurança do trabalho não foram suficientes. “Tentei me recolocar, mas não surgiram tantas opções como imaginei que teria”, diz.

O tempo sem trabalho virou um período sabático e um tempo de estudo, que permitiram a ela virar professora em cursos de gestão e continuar na ativa, mas em outra rotina. Há pouco mais de um ano, porém, começou a sentir falta do tipo de trabalho que conhecia.

“O mundo acadêmico é muito diferente”, afirma.

Para o publicitário Francisco Antonio Cunha, 57, a solução para as portas que começavam a se fechar foi virar consultor de empresas, trabalho que o ocupou até o início da pandemia.

“No meio da comunicação, é muito difícil de ficar. Por ser um ambiente cada vez mais tecnológico, há uma ideia de que ele seja necessariamente jovem”, afirma.

“O mercado tem um estigma, como se as pessoas passassem a não ser qualificadas mais.”

No início deste ano, tanto Silvia quanto Francisco, após um longo processo seletivo, todo ele a distância, foram contratados –ela na Sanofi, ele na Medley (empresa do mesmo grupo), em um projeto-piloto de empregabilidade de profissionais sênior, aqueles com mais de 50 anos.

Chamado de Liga Labora, o grupo reúne 15 executivos de grandes empresas, a maioria de RH, que definiram como meta criar 100 mil postos de trabalho para profissionais com mais de 50 anos até 2022.

“Sabemos que é uma meta bastante agressiva”, diz Pedro Pitella, diretor de Recursos Humanos da Sanofi. “Queremos desmistificar o assunto, acabar com os vieses no recrutamento e seleção”, afirma.

As principais barreiras nessas contratações, segundo ele, são ideias que não se sustentam na realidade, como a crença de que o plano médico custará mais ou a de que o profissional acima de 50 anos não é tão hábil em tecnologia.

No caso da assistência médica, Pitella diz que adultos mais jovens e com filhos, que são dependentes no pla- no de saúde, geram custos muito maiores do que aqueles com 50 anos ou mais. Quando têm filhos, em geral eles já não se enquadram mais como dependentes.

A mudança de mentalidade para a atração de profissionais mais velhos poderá também, na avaliação do executivo da Sanofi, mudar o modo como aqueles que ainda estão empregados são tratados.

“É o tipo de crença que está na cabeça dos RHs e dos gestores. É inconsciente, mas parece uma síndrome. A pessoa faz 50 anos e fica invisível. Não é mais chamada para treinamentos, não é considerada em promoções e em novos projetos”, afirma Pitella.

Nessa frente, os “embaixadores” da empregabilidade sênior deram início a uma série de webinars promovidos pela FIA (Fundação Instituto de Administração), todos voltados para a inclusão geracional.

“Queremos perguntar: ‘Você, do RH, já parou para pensar por que essa pessoa não é considerada para essas vagas e treinamentos?'”

Para Silvia, a questão etária foi o principal fator em “99% das seleções” nas quais não foi a escolhida. “Diziam que eu era ‘overqualified’ [qualificada demais, em tradução livre] e, por mais que eu dissesse que não me importava, não me chamavam de volta.”

“O pior é que, como fui de RH, aquela era uma rotina que eu conhecia. Também tive de lidar com gestores que privilegiavam contratações jovens”, diz.

Para Sergio Serapião, da Labora, plataforma de tecnologia voltada para a seleção de profissionais sênior, a sociedade ainda não se deu conta de que a idade é um fator de vulnerabilidade.

Quem busca a startup faz uma série de cursos gratuitos, cedidos por grupos como Sebrae e Oracle. Segundo Serapião, a tecnologia da Labora vai “lendo” as habilidades dos candidatos no decorrer desses treinamentos e monta um mapa de competências.

É esse mapa que, depois, é apresentado às empresas na seleção. Sem currículo ou foto, o candidato se apresenta por meio de uma pequena biografia. A ideia, segundo Serapião, é garantir que o profissional seja escolhido por seus talentos, independentemente da idade ou experiência anterior.

O modelo de trabalho proposto pela empresa também é não convencional. “Propomos um trabalho flexível, que te dá mais liberdade, e permite um complemento de renda”, afirma. As jornadas são de até 24 horas semanais.

“Os trabalhadores estão desejosos de outros formatos e isso não é uma piora do modelo de contratação. Tem pessoas que não querem o vínculo tradicional. Chega a uma etapa da vida em que tem outras ambições, quer se divertir mais, ter mais tempo livre, viver em cidades diferentes”, avalia Pitella, da Sanofi.

Para o pesquisador Renato Souza Cintra, a precarização é uma tônica do trabalho dos idosos, aqueles com 60 anos ou mais. Em artigo publicado pelo Desafio Longevidade, do Itaú Unibanco, ele diz que quase metade (44%) dos idosos trabalhavam por conta própria em 2015, o dobro da proporção vista entre os trabalhadores mais jovens.

Sérgio Serapião diz que o modelo de contratação contempla um mundo em transformação, e que agora precisa chegar também aos trabalhadores sem qualificação. Segundo ele, cerca de 20% a 25% dos seniores que passam pelos cursos das plataforma são da classe C.

“De fato, a gente parte de um grupo classe B e agora vai conseguindo ampliar, por meio de parcerias, contemplando também as interseccionalidades.”

Em um projeto ainda em andamento, a Labora propôs a uma startup de transporte a contratação de ex-caminhoneiros para o trabalho de experiência de clientes. Por uma jornada de até 20 horas semanais, eles poderão receber de R$ 1.000 a R$ 1.500 por mês.

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