Em depoimento à Polícia Federal, Walter Delgatti Neto, 30, um dos quatro presos na terça (23) sob suspeita de ter hackeado celulares de autoridades, afirmou que obteve o contato do jornalista Glenn Greenwald, do site The Intercept Brasil, por meio da ex-deputada Manuela d’Ávila (PC do B). Ele também disse que não editou as mensagens de membros da Lava Jato – incluindo o ex-juiz Sergio Moro e o procurador Deltan Dallagnol – antes de repassá-las.
O teor do depoimento foi revelado ontem pela GloboNews. Segundo o relato, Delgatti procurou Grennwald por conhecer sua atuação no vazamento de documentos secretos dos EUA, no caso de Edward Snowden. O compartilhamento com o Intercept, segundo o preso, foi voluntário e não envolveu pagamento. Delgatti relatou que o primeiro hackeamento que fez foi do promotor Marcel Zanin Bombardi, de Araraquara (SP), que o havia denunciado sob suspeita de tráfico de medicamentos de uso controlado.
No aplicativo Telegram do promotor, Delgatti encontrou um grupo formado por procuradores da República, chamado “valoriza MPF [Ministério Público Federal]”. Pelo Telegram de um dos procuradores desse grupo, o suspeito disse que conseguiu acesso ao número do deputado Kim Kataguiri (DEM-SP). Pelo Telegram de Kataguiri, ainda segundo o suspeito, ele obteve o número do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.
Entre os contatos de Moraes, Delgatti obteve o do ex-procurador-geral Rodrigo Janot e, por ele, chegou aos números dos procuradores da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, entre eles Deltan, Orlando Martello Jr. e Januário Paludo. De acordo com o suspeito, as invasões às contas do aplicativo foram realizadas de março a maio deste ano, e o material foi enviado ao Intercept em 12 de maio. Ele disse que não editou as mensagens antes de entregá-las.
Delgatti também afirmou que conseguiu o número de Sergio Moro a partir de Deltan, mas que não extraiu nenhum conteúdo do Telegram do hoje ministro da Justiça. Disse ainda que entrou nas contas de procuradores da operação Greenfield, que atuam em Brasília, mas “não encontrou nada ilícito no conteúdo das conversas”. Delgatti deu detalhes de como chegou a Manuela d’Ávila para conseguir o contato de Greenwald.
Ele relatou que conseguiu o celular da ex-deputada na lista de contatos da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). A deputada foi candidata a vice-presidente nas eleições passadas na chapa do petista Fernando Haddad. Ele disse que ligou para Manuela e afirmou que precisava do contato de Greenwald. Como ela não teria acreditado, enviou um áudio em que apareciam os procuradores da República Martello Jr e Paludo. Pouco depois, segundo ele, Greenwald teria entrado em contato pelo Telegram.
NOTA
Em nota, Manuela disse que, em 12 de maio, foi informada pelo Telegram de que sua conta foi invadida. Logo depois, recebeu uma mensagem de uma pessoa dizendo que tinha provas de atos ilícitos cometidos por autoridades. A ex-deputada afirma que repassou o contato de Greenwald e que desconhece a identidade de quem invadiu seu celular. Disse que vai entregar cópias das mensagens à Polícia Federal e que está à disposição para prestar esclarecimentos.
Justiça prorroga prisão de suspeitos
O juiz Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª Vara da Justiça Federal em Brasília, prorrogou as prisões temporárias dos quatro suspeitos de invadir os celulares do ministro da Justiça, Sergio Moro, do procurador da República Deltan Dallagnol e de várias autoridades. Conforme decisão de ontem, vão continuar detidos por mais cinco dias, contados a partir de domingo, Walter Delgatti Neto, Gustavo Henrique Elias Santos e a mulher dele, Suelen Priscila de Oliveira, além de Danilo Cristiano Marques.
O magistrado acolheu pedido da Polícia Federal para manter as prisões. Os quatro hackers foram presos temporariamente na última terça (23), durante a Operação Spooling. A medida foi decretada por cinco dias, prorrogáveis por mais cinco. O prazo venceria hoje. Delgatti admitiu em depoimento à PF ter sido o mentor e autor dos ataques aos smartphones das autoridades. Ele afirmou ter repassado o conteúdo de conversas no Telegram, sem receber pagamentos, ao site Intercept, que em 9 de junho começou a publicar os vazamentos.
A Polícia Federal vê contradições no depoimento de Delgatti. Uma nova oitiva havia sido marcada para falar sobre pontos descobertos pela investigação. Ele é chamado internamente por investigadores de “contador de histórias”, característica considerada típica de estelionatários. Ainda assim, a PF diz que o suspeito tem colaborado com a apuração.