O segundo dia de desfiles das escolas de samba de São Paulo marcou a estreia no Anhembi de um inovador da folia. O carnavalesco Paulo Barros usou seu coquetel de surpresas para exaltar o amor no enredo da Gaviões da Fiel. Saiu aplaudido.
Quem também entrou na história foi a tradicional Mocidade Alegre. Dona de dez títulos do Carnaval paulistano, fez o Anhembi bater palmas e cantar o seu samba intercalado com megaparadinhas orquestradas pelo mestre de bateria Sombra.
O desfile da escola, que colocou na vitrine a força das orixás femininas, foi coeso até na sua formação: 70% dos 3.000 componentes eram mulheres.
Com desempenhos impecáveis na avenida, Gaviões e Mocidade se destacaram e entraram no páreo pela disputa do título. A campeã do Carnaval 2020 só será conhecida na terça-feira (25).
A Gaviões fez tremer a arquibancada, pela torcida apaixonada, evidente, mas também pelo bom samba que apresentou. A escola entrou na avenida à 1h05, cerca de 25 minutos após o previsto, efeito esperado devido ao atraso no início dos desfiles.
Durante o percurso, a comissão de frente teve um pequeno imprevisto em uma das surpresas que Paulo Barros havia preparado para a noite. As capas dos dançarinos deveriam ter pegado fogo por alguns segundos, simbolizando o fogo da paixão entre os casais que vez ou outra se beijavam, mas apenas uma capa de fato incendiou, levantando dúvidas sobre possível acidente, desmentido pela equipe da escola.
A Gaviões cantou o amor nesse carnaval e a escolha foi acertada. A torcida respondeu ao chamado abrindo um bandeirão em homenagem à escola, assim como faz nos estádios -como também fez a Mancha Verde na noite anterior.
Os efeitos especiais da escola chamaram atenção, assim como sua rainha, Sabrina Sato, que neste ano interpretou a icônica personagem Julieta, da peça Romeu e Julieta, de Shakespeare.
Já os componentes da Mocidade Alegre entraram na avenida sabendo que fariam um bom show. Não parecia possível haver tamanha animosidade após o desfile da Gaviões, mas foi o que aconteceu.
Com um samba-enredo potente sobre a cultura iorubá, a bateria do mestre Sombra estava excepcional e soube escolher o momento ideal para o seu apagão. Àquela altura, a letra do samba-enredo já estava na ponta da língua. O resultado não podia ser diferente, o espetáculo da Mocidade teve o trecho cantado à capela pela arquibancada.
Entre os que assistiam aos desfiles, e mesmo nos bastidores, a reportagem ouviu mais de uma vez a frase ” acho que pintou a campeã” em referência à performance da Mocidade.
Não é absurdo dizer que as escolas do segundo dia desbancaram as que abriram os desfiles de 2020. A primeira escola a entrar na avenida, a Pérola Negra –que voltou ao grupo neste ano- fez um desfile regular.
A agremiação sentiu em cheio os estragos provocados pela chuva nas suas fantasias faltando 10 dias para o desfile no Anhembi. Apesar do esforço, a qualidade dos carros da escola da Vila Madalena deixou a desejar.
A segunda escola a entrar na avenida não deixou por menos. A Colorado do Brás fez um desfile colorido e com bom samba em homenagem a Dom Sebastião, rei de Portugal coroado em 1557. A escola luta pela conquista de seu primeiro título no grupo especial, mas deve esbarrar no desempenho das escolas mais tradicionais.
Outra demonstração de que está antenada, a Colorado colocou na avenida Camila Prins, a primeira madrinha de bateria trans do grupo especial.
A Águia de Ouro, quinta a desfilar, apostou em livros gigantes e num samba-enredo que exaltou o conhecimento, mas ainda que a mensagem tenha sido forte, não convenceu.
Além disso, a escola exagerou nas “paradinhas” ou “apagões” da bateria como forma de tentar engajar o público. Até funcionou, mas não foi muito além do esperado. A Águia não deve enfrentar problemas durante a apuração e provavelmente seguirá no grupo especial.
Vale destacar, entretanto, para a alegoria da Águia que lembrava uma bomba atômica, referência aos ataques contra Hiroshima e Nagasaki, em agosto de 1945.
A Unidos da Vila Maria entoou samba-enredo sobre o crescimento da China, sob o comando do mestre Rodrigo Moleza. Um dos destaques da escola foi o carro abre-alas que possuía um imenso dragão representando a cultura chinesa.
Os tempos são outros, as histórias também, e é nisso que a última escola de samba da elite paulistana cantou o samba-enredo “Tempos Modernos”. Com o dia amanhecendo no Anhembi, a Rosas de Ouro pareceu emprestar ao céu as suas cores oficiais.
Como quem prevê o futuro, ou descreve o presente (para os mais entusiastas da tecnologia), a escola usou e abusou de representações de robôs na sua apresentação. A bateria foi excepcional e espantou o sono na avenida.
A distopia futurista retratada logo no abre-alas da escola deu o tom: os tempos modernos mais lembram aqueles de ficções como “Nós”, do russo Yevgeny Zamyatin, para não citar (já citando) o clássico grande irmão do inglês George Orwell no livro “1984”.
Mas ainda que haja medo e insegurança quanto ao futuro, a Rosas de Ouro apostou no amor e no otimismo, também tratado por Orwell, “quando se ama alguém, ama-se, e quando não se tem nada mais para lhe dar, ainda se lhe dá amor”.