Crianças na UTI que ouviram histórias infantis durante meia hora ficaram mais tranquilas, sentiram menos dor e passaram a encarar seu tratamento de maneira mais positiva, indica um estudo liderado por pesquisadores brasileiros.
Os efeitos benéficos da leitura de histórias aparecem tanto no comportamento quanto nos próprios hormônios que circulam no organismo dos pequenos pacientes, de acordo com a pesquisa.
“Talvez seja a primeira evidência direta de algo que, do ponto de vista anedótico, tem sido visto em hospitais do mundo todo faz algumas décadas, já que muita gente relata esses benefícios”, conta o coordenador do estudo, Guilherme Brockington, da Universidade Federal do ABC.
Ele assina um artigo sobre o trabalho na edição desta semana da revista científica PNAS, junto com Jorge Moll, do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino, e colegas de outras instituições.
Brockington explica que sempre se interessou pelo ato de contar histórias. “Como bom mineiro, gosto de um ‘causo'”, brinca ele. O pesquisador chegou a fazer um curso de formação para contadores de histórias para crianças, mas não conseguiu se dedicar a ele por conta da carreira acadêmica.
A paixão pelo tema, entretanto, permaneceu, assim como o contato dele com a Associação Viva e Deixe Viver, cujos narradores visitam hospitais há mais de 20 anos. “Eles são fantásticos e nos ajudaram muito a fazer os testes”, afirma.
As análises, realizadas em 2018 no Hospital São Luiz Jabaquara, em São Paulo, envolveram 81 crianças internadas, com idades entre 2 e 7 anos, e quantidades similares de meninos e meninas.
A maioria estava no hospital por problemas respiratórios (como asma, bronquite e pneumonia).
Cerca de metade das crianças participou das sessões de contação de histórias. Nelas, os pacientes podiam escolher um livro em uma lista de oito títulos (incluindo clássicos infantis brasileiros como “Menina Bonita do Laço de Fita”, de Ana Maria Machado, e “O Grande Rabanete”, de Tatiana Belinky).
“A lista dos livros foi feita com a ajuda dos contadores. A ideia era pegar narrativas mais neutras e leves, sem peso emocional muito forte, ou ‘blockbusters’ tipo ‘O Senhor dos Anéis’, nos quais a criança já sabe o que vai encontrar”, explica Brockington.
Assim que a criança escolhia a obra, narradores com mais de dez anos de experiência nesse tipo de interação liam as histórias durante cerca de 30 minutos.
A outra metade das crianças participou de um jogo de adivinhas com os mesmos contadores de histórias responsáveis pela narração com o outro grupo de pacientes (as charadas eram no tradicional formato “O que é, o que é?”).
Para medir as reações do organismo dos meninos e meninas às atividades, os cientistas coletaram amostras de saliva deles um minuto antes e logo depois das histórias ou adivinhas.
Também pediram que eles respondessem perguntas padronizadas sobre as dores que sentiam antes e depois das intervenções, e que falassem das coisas que associavam a diferentes imagens –desenhos de médicos, enfermeiros, hospitais, remédios e outros.
As diferenças entre os grupos foram significativas. Embora ambas as intervenções tenham tido efeitos positivos sobre as crianças, ouvir histórias produziu um aumento duas vezes maior nos níveis de ocitocina, por exemplo. Esse hormônio, em certos contextos, ajuda a pessoa a se tranquilizar e a se sentir acolhida em um grupo.
O grupo que ouviu a leitura dos livros também teve uma redução mais intensa dos níveis de cortisol, um dos principais hormônios relacionados ao estresse.
Os níveis relatados de dor foram menores nesse grupo, e as crianças que participaram dele tendiam a fazer associações mais positivas (do tipo “a enfermeira é a moça que cuida de mim” em vez de “é a pessoa que me dá injeções doloridas”).
Embora os resultados tenham sido registrados com a ajuda de contadores de histórias experientes, os pesquisadores apostam que benefícios parecidos poderiam vir também de leitores não profissionais.
“Estamos começando a conduzir testes semelhantes com contadores não especializados, no caso de crianças que fazem tratamento contra o câncer, e também no formato online”, afirma Brockington.
“Além disso, queremos incentivar os pais a adotarem com mais frequência essa atividade com os filhos. A situação da pandemia guarda semelhanças com a vida na UTI, com isolamento, tédio e mesmo incerteza em relação à morte. A leitura de histórias cria um vínculo emocional capaz de minimizar tudo isso”, diz o cientista.