sábado, 23 novembro 2024

PF indicia funcionários da Vale e da Tuv-Sud por tragédia em Brumadinho

Treze funcionários da Vale e da Tuv-Sud foram indiciados por crimes de falsidade ideológica e uso de documentos falsos com relação ao rompimento da barragem B1, na mina Córrego do Feijão, em Brumadinho. O resultado da primeira parte do inquérito da Polícia Federal foi apresentado nesta sexta-feira (20), em Belo Horizonte. A tragédia deixou 249 mortos e 21 pessoas seguem desaparecidas, até o momento.

Entre os indiciados, sete são funcionários da Vale e seis da Tuv-Sud, a empresa alemã responsável por atestar a estabilidade da estrutura. Além deles, a PF também indiciou as duas empresas pelos crimes. Todos eles concorreram para que os crimes fossem praticados, segundo a investigação. Nenhum dos indiciados pertence à cúpula da mineradora.

Os crimes teriam ocorrido em três momentos, em junho e duas vezes em setembro de 2018, quando as empresas elaboraram relatórios atestando a estabilidade e segurança da estrutura e os apresentaram a órgãos de fiscalização. “Eu tenho plena convicção que a tragédia humana poderia ter sido evitada, a ambiental talvez não. A mancha do dam break (estudo que prevê inundação) passava em cima daquela população -escritórios, pela pousada Nova Estância”, afirma o delegado Luiz Augusto Pessoa Nogueira.

Segundo o delegado, os relatórios e laudos relacionados à estrutura foram elaborados sem a metodologia adequada, o que levou a “resultado comprovadamente fraudulento”. Enquanto painéis de especialistas e a própria empresa reconheciam que o fator de segurança mínimo, para condições não drenadas, deveria ser igual ou superior a 1,3, a barragem B1 marcava 1,09. Ou seja, a empresa sabia da situação de risco da estrutura.

Os crimes de falsidade relatados nesta sexta foram baseados em depoimentos, documentos de reuniões, painéis de especialistas recomendando a Vale para utilizar fator de segurança 1,3 e emails trocados entre os funcionários reconhecendo a dificuldade em atestar a estabilidade e segurança. Funcionários das duas empresas assessoraram, assinaram e produziram os documentos que atestavam a estabilidade.

“A pressão dos funcionários da Vale para obtenção desses laudos é simplesmente dizer que a empresa tinha 100% de suas barragens estáveis, que era uma empresa que promovia a segurança para o mercado, para a sociedade. Já a Tuv-Sud, no meu entendimento, buscou manter uma relação de contratos com a Vale”, avalia Nogueira.

A investigação apurou que, entre 2017 e 2018, em apenas cinco contratos, a empresa alemã recebeu mais de R$ 6,4 milhões da Vale. O delegado responsável afirma que houve pressão para que a estabilidade fosse atestada.  Um dos episódios citados pela PF em coletiva nesta sexta foi o fraturamento hidráulico identificado na barragem B1 no dia 11 de junho de 2018. A Vale estava instalando drenos horizontais para diminuir a quantidade de água que deveriam penetrar 100m no conteúdo. Porém, ao chegar a 60m, mais ao centro, foi detectado que o material já estava líquido, mostrando que o lençol freático já estava elevado.

O inquérito será encaminhado à Justiça Federal e ao Ministério Público Federal que é quem decide quem será denunciado. Até agora, a PF pediu apenas medidas cautelares para suspensão das atividades destes indivíduos em áreas técnicas e da Tuv-Sud para fins de consultoria externa de barragens.

As penas previstas para os crimes são de três a seis anos, como foram três crimes pode chegar de 9 a 18 anos, com aumento de um terço das penas porque houve grande impacto de destruição do meio-ambiente. A PF ainda espera o resultado da perícia para determinar qual foi o gatilho que causou a liquefação e o rompimento da barragem, para determinar se houve intenção nos crimes ambientais e de homicídio. A liquefação pode ser desencadeada por vários fatores, como detonações próximas ou movimentos de máquinas.

O inquérito da PF foi dividido em dois para relatar em separado estes crimes e os de falso, como o delegado antecipou à Folha em março. Só em documentos digitais a polícia reuniu mais de 80 milhões. A Polícia Civil de Minas Gerais também investiga o rompimento. Procurada pela reportagem, a Vale diz que avaliará “o inteiro teor do relatório policial antes de qualquer manifestação de mérito”. A empresa afirma ainda que seus executivos “continuarão contribuindo com as autoridades e responderão às acusações no momento e ambiente oportunos”.

O advogado Augusto de Arruda Botelho, que representa três dos indiciados da Tuv-Sud, respondeu por meio de nota. “O relatório apresentado pela Polícia Federal falha ao interpretar conceitos básicos sobre a engenharia de barragens e chega, portanto, a uma conclusão equivocada. A defesa demonstrará, caso alguma acusação formal seja feita pelo MPF, os erros da investigação”, diz ele.

Os indiciados: Makoto Namba, analista sênior da empresa Tuv-Sud, que assinou as condições de estabilidade da barragem B1 em setembro de 2018. Ele também elaborou revisão periódica e inspeção regular. Marlísio Cecílio de Oliveira, técnico da Tuv-Sud que liderou estudos e trabalho que resultaram na revisão periódica de segurança da barragem.

Arsênio Negro Jr, consultor da Tuv-Sud que aparece em trocas de mensagens da empresa e dava sugestões importantes. Foi ele quem teria consultado o executivo alemão Peter-Meier sobre assinar laudo de condições de estabilidade da B1. Ana Paula Toledo Ruiz, não era funcionária da Tuv-Sud, mas especialista em geotecnia e responsável pela inspeção de segurança regular de barragem, feita em setembro. Também ajudou da revisão periódica.

André Jum Yassuda, analista sênior e técnico da Tuv-Sud que atestou a primeira declaração de condição de estabilidade emitida em 13 de junho de 2018. Chris Peter-Meier, executivo da empresa na Alemanha, foi consultado para autorizar que emitissem condições de estabilidade. Intimado para vir ao Brasil, ele não atendeu e ainda não foi ouvido. A PF trabalha para conseguir seu depoimento.

Alexandre de Paula Campanha, gerente executivo da engenharia de geotecnia de gestão de riscos da Vale. Ele participou de discussões técnicas com empresas de consultoria, inclusive a Tuv-Sud. Questionou Namba, de forma incisiva, segundo a PF, se ele atestaria a estabilidade.

Marilene Christina Lopes de Araújo, gerente de gestão de riscos da Vale, abaixo de Campanha. Participava dos estudos de gestão de risco das barragens. Ela que teve a iniciativa de promover painéis de especialistas, para que a Vale tivesse governança melhor na segurança das barragens. Mandou e-mail aos funcionários dizendo que o fator de segurança de 1,3 deveria ser adotado para todas as barragens em condições não drenadas. Conhecia profundamente a condição de risco da barragem, segundo a PF.

Felipe Figueiredo Rocha, assessor técnico de Marilene na Vale , especializado em geotecnia. Foi ele quem enviou um e-mail a todos os funcionários do setor informando critérios que seriam adotados pela Vale para fator de segurança de barragens: em condições drenadas, 1,5, não drenadas 1,3, e em resistência residual ou de pós-pico, 1,1. Namba diz em e-mail que Felipe tentou convencê-lo a atestar a estabilidade, falando que outra empresa achou fator inferior em outra barragem e mesmo assim atestaria porque a Vale cumpriria as recomendações para melhorar. A PF não divulgou o nome da outra barragem, mas diz que ela não está entre as que tiveram nível de risco elevado este ano.

Washington Pirete da Silva, especialista em liquefação da Vale, apontado como a causa mais provável de rompimento em estudo. Em depoimento à PF, disse que achava mais adequado ensaios de campo em vez de laboratório, o que contradiz com o que fez no passado. Em um trabalho acadêmico, ele falou sobre a B1, dizendo que quanto mais próximo de 1 o fator de segurança, mais suscetível a liquefação estaria o material.

Cezar Augusto Paulino Grandchamp, era gerente de geotecnia operacional da VAle e responsável por assinar as três declarações de estabilidade junto à Namba e Yassuda (duas em setembro e uma em junho). Participou de painéis, tinha conhecimento de fatores de segurança a serem adotados. Grandchamp estava no local para avaliar a situação do fraturamento hidráulico em junho de 2018, mas depois que a pressão baixou, não acionou o plano de emergência.

Cristina Heloíza da Silva Malheiros, era a responsável da Vale pelo monitoramento da barragem e por repassar as informações. Fornecia os dados usados pela Tuv-Sud para elaborar revisões periódicas. Participou de todas as discussões técnicas e tinha conhecimento de fator de segurança. Para a PF, era a pessoa que mais conhecia a barragem e sabia do seu potencial de risco.

Andrea Leal Loureiro Dornas, especialista em geotecnia, trabalhava na área operacional com Grandchamp e Malheiros. Discutiu em alguns momentos a questão de a barragem ser atestada. Ela disse que desconhecia outras barragens com valor abaixo de 1,3 e que sabia que esse era o fator mínimo. Questionada pela PF se se omitiu diante da questão, ela respondeu que apenas passava os dados.

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