Na véspera do Dia Nacional de Mobilização Pró-Saúde da População Negra celebrado nesta sexta-feira (27), Campinas, por meio da Secretaria de Saúde, apresentou um boletim epidemiológico inédito na noite de quinta-feira (26), sobre a saúde da população negra da cidade.
Neste boletim, além de dados da saúde em um recorte racial, foi identificado que a população negra segue localizada nas áreas de maior vulnerabilidade do município, em distritos de saúde da região Noroeste (42,8%), Sudoeste (38,3%) e Sul (37,4%). Já a menor está no Leste (21%).
Dos nascidos nessas regiões, com dados de 2018 a 2022, foi possível identificar que a população nascida nesses períodos vêm também em maioria dessas regiões mais vulneráveis. O maior número de nascidos vivos negros se deu nos distritos Noroeste (6.187) e Sudoeste (5.704).
O boletim foi apresentado no Salão Vermelho, durante um seminário que debateu políticas públicas direcionadas para a população negra campineira, tendo como propósito informar, sensibilizar, incluir e estimular a realização de ações de saúde, numa perspectiva racial e antirracista na gestão e no cuidado da saúde de pessoas negras.
Fundamentado em dados de cadastros de prontuários da rede pública municipal e a partir de dados que englobam também o setor privado, o indicador também trouxe dados de violência, expectativa de vida e mortalidade materna.
Considerada por historiadores como a última cidade brasileira a abolir, na prática, a escravidão da população negra, Campinas passa a implementar o projeto em uma das ações do grupo de Plano Municipal de Políticas de Promoção da Igualdade Racial do eixo Saúde (GT PlaMPIR), criado no governo Dário Saadi (Republicanos).
As estatísticas registradas pelas Equipes de Saúde da Família (eSF) de Campinas e demais equipes da Atenção Primária à Saúde (APS) da cidade mostram que, em relação à população residente da cidade, 62,3% se autodeclara branca, e 34,8% negra (pretos e pardos). Os percentuais são próximos aos registrados no Censo de 2010 pelo IBGE, quando 66,3% se autodeclararam brancos e 32,3% responderam que são negros.
Origem e temas do boletim
Segundo a gestora de informação e monitoramento de informação da Secretária de Saúde, Kamila de Oliveira Belo, toda produção do boletim levou um ano, incluindo oficinas de sensibilização para os trabalhadores da saúde, para que dados de raça/cor fossem preenchidos da forma correta.
“Fizemos seis oficinas de sensibilização e de educação contínua com nossos trabalhadores, focando no preenchimento do quesito raça/cor correto em abordagens voltadas ao entendimento do racismo estrutural como um determinante social de saúde e das doenças mais prevalentes na população negra, estimulando o olhar desses profissionais para as equidades em saúde. O seminário é produto deste trabalho e o boletim também”, explicou.
Apesar do avanço dos Sistemas de Informação em Saúde (SIS) no SUS (Sistema Único de Saúde), para coleta do quesito raça/cor em prontuários, a secretaria avalia que é preciso incentivar a melhoria do item para análise dos determinantes sociais de saúde, uma vez que informações adequadas também são essenciais para salvar vidas. A exceção foi verificada apenas no Sistema de Informações Hospitalares (SIH/AIH), onde haverá ações para aprimoramento.
“As ações do grupo de trabalho priorizam as atividades na atenção básica e saúde mental, mas a atenção hospitalar é uma meta do grupo para produção de educação em saúde dos trabalhadores. Acreditamos que as ações de educação permanente em nossa rede quanto a autodeclaração, de forma contínua, vão impactar muito”, disse Kamila.
Para a diretora do Departamento de Vigilância em Saúde, Andrea von Zuben, o boletim permite aos gestores da Saúde planejar políticas públicas específicas para esta população. “O boletim é um primeiro passo para evidenciar a importância do tema e trazer elementos para a melhoria destes indicadores. É a Saúde dando voz aos mais vulneráveis”, frisou.
Nascimento e expectativa de vida
Em questão de expectativa de vida, pesquisa mostra diferenças no envelhecimento entre brancos e negros em Campinas: 8,2% da população negra tem 60 anos ou mais, enquanto o percentual chega a 14,3% na população branca. Estes dados também são baseados no Censo de 2010 do IBGE.
As estatísticas registradas de 2018 a 2022 pelo Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (Sinasc) destacam que a proporção de nascimentos é maior na população branca (58,9%) quando comparada à população negra (40,6%).
Em contrapartida, quando se trata da proporção de nascidos vivos de mães adolescentes em Campinas (8,2% dos nascidos vivos), a diferença diminui e “mostra que a gravidez na adolescência é fator de extrema relevância para saúde das meninas negras”, diz o boletim.
Violência
Outra conclusão do boletim é de que o racismo estrutural tem expressão de forma contundente nos indicadores de violência e morbidade da população negra. Entre as 10.539 notificações de violências registradas de 2018 a 2022, cerca de 43,5% (4.588) foram sofridas por pessoas declaradas negras. O alerta sobre a relação entre violência e saúde fica evidente pelo fato de que a população negra de Campinas é menor do que a branca.
“O número de notificações de violência é maior na população geral com faixa etária entre 10-19 anos (26,13%), concentrando-se em crianças e adolescentes negros (1.312; 12,45%)”, informa trecho do estudo, ao mencionar a importância do papel dos profissionais de saúde na orientação para notificação qualificada sobre casos de violência. Os registros de casos contra mulheres e idosos são compulsórios, e o racismo é um determinante social que pode ser comunicado no Sistema de Notificação de Violência em Campinas.
De 2018 a 2022, os homens negros representaram 24,7% do total de óbitos de residentes.
Mortalidade materna
A Secretaria de Saúde, por meio do boletim, verificou que a mortalidade materna de mulheres negras foi maior quando comparada à morte de mulheres brancas no intervalo de 2018 a 2022.O índice chegou a 109,2 a cada 100 mil nascidos vivos em 2021.
“É preciso destacar o impacto da pandemia de covid-19 (SARS-CoV-2) que em 2021 foi responsável pelo aumento da mortalidade materna em todo Brasil. Em Campinas ocorreram cinco óbitos maternos relacionados à covid-19 em 2021, sendo três entre mulheres negras (duas pretas e uma parda)”, destaca outro trecho do material.