domingo, 24 novembro 2024

São Paulo gastou R$ 1,4 bilhão em 106 obras que hoje estão paradas

A Prefeitura de São Paulo gastou R$ 1,4 bilhão em obras que, por conta da crise econômica do país, de denúncias de irregularidades ou por mudança de prioridades, acabaram paralisadas. A constatação foi feita por um auditoria realizada pelo Tribunal de Contas do Município (TCM) entre outubro de 2018 e abril deste ano.

De acordo com o tribunal de contas, há 106 obras paradas na cidade, incluindo novas construções, reformas, trabalhos de manutenção, de adaptação e de melhorias. São projetos de saneamento, de vias urbanas, de escolas, de unidades de saúde e de parques, entre outros. Em média, são obras paradas há cerca de três anos e meio, mas existem casos de mais de dez anos de atraso.

O número real, porém, tende a ser bem maior do que as 106 contabilizadas, pois a auditoria considerou apenas as obras de maior relevância econômica e social, com valor inicial superior a R$ 1,5 milhão. Pelos cálculos dos auditores, para retomar e terminar essas 106 obras a cidade precisa investir mais R$ 5,8 bilhões. Para efeito de comparação, esse valor é maior do que o total de recursos que a prefeitura conseguiu destinar a investimentos nos últimos dois anos (R$ 4,3 bilhões).

Ou seja, é muito provável que várias dessas obras paradas nunca sejam retomadas e a cidade arque com o prejuízo. É o caso do CEU Grajaú, projetado na gestão de Fernando Haddad (PT) para ser erguido numa área de 13.300 m² onde hoje funciona o Clube da Comunidade Jardim Petronita, na zona sul da cidade. São Paulo gastou cerca de R$ 481,2 mil na elaboração do projeto do Centro de Educação Unificado, mas a obra, que custaria R$ 45 milhões, nem chegou a ser iniciada.

Em 2016, a economia brasileira sofria com uma grave recessão. Houve naquele ano uma retração de 3,3% no PIB (Produto Interno Bruto) e as receitas da prefeitura caíram 7%. Ao tomar posse no início do ano seguinte, João Doria (PSDB) adotou uma série de medidas com a intenção de enxugar ainda mais os gastos públicos. Em razão do contingenciamento de recursos, o projeto do CEU foi suspenso em maio de 2017.

“Hoje nem faz mais sentido construí-lo ali”, afirma Nelson Freitas, morador da região que dirige o Clube da Comunidade Jardim Petronita, um projeto municipal no qual equipamentos esportivos públicos são geridos por entidades comunitárias. Há 250 clubes na cidade neste modelo.

Freitas explica que, desde então, o clube recebeu melhorias por meio de emendas parlamentares. O campo de futebol foi reformado, assim como foi construída uma cobertura para a quadra. Outra obra paralisada é o prolongamento da av. Jornalista Roberto Marinho até a rodovia dos Imigrantes. Estimada em mais de R$ 2 bilhões, começou a ser discutida na gestão Paulo Maluf (1993-1996), mas foi contratada por Gilberto Kassab em 2011.

Dividida em quatro lotes, a obra previa a construção de um túnel de cerca de 2,3 km, um parque de 600 mil m² e a remoção de 10 mil famílias que vivem no entorno para conjuntos habitacionais. “Este é um projeto de requalificação urbana, não é apenas um projeto viário”, afirmou Marcelo Cardinale Branco, secretário de Infraestrutura Urbana à época.

No ano de 2013, suspeitas de superfaturamento levaram à suspensão do projeto do túnel. Um dos consórcios escolhidos para fazer a obra era liderado pela Odebrecht. Por conta da Operação Lava Jato, a empresa afirmou em delação premiada que empreiteiras contratadas haviam sido selecionadas de forma ilegal pela prefeitura. Ao anunciar a paralisação do túnel, a gestão Haddad informou que a duplicação da avenida Chucri Zaidan, a construção de habitação de interesse social e a implantação do parque linear passariam a ter prioridade.

Dos cerca de R$ 2 bilhões previstos para o projeto, a prefeitura gastou até agora cerca de R$ 410 milhões. Um dos contratos está oficialmente suspenso, os outros estão atrasados. Deveriam ter sido finalizados em 2014. Além dos R$ 1,4 bilhão investidos diretamente nas 106 obras paralisadas, há também de se considerar o custo de manutenção dos canteiros.

Para evitar furto de equipamentos e de materiais de construção, bem como impedir invasões, a prefeitura muitas vezes precisa contratar equipes de vigilância. A auditoria, no entanto, não levantou os valores empregados pela prefeitura para isso. No relatório, o TCM afirma que a prefeitura deveria ter um sistema gerencial que organizasse e centralizasse informações dos andamentos físicos e financeiros das obras, contemplando os contratos principais e acessórios.

Afirma que, por não existir esse sistema, para levantar as obras, precisou consultar diversos departamentos de uma mesma secretaria, das subprefeituras e empresas públicas. Procurada pela Folha, a administração Bruno Covas (PSDB) afirma que “diversas obras nas áreas de Saúde e Educação foram retomadas, após serem abandonadas pela gestão anterior”.

Apenas para o biênio 2019/2020, diz, serão destinados R$ 747,1 milhões para criar novos equipamentos para as duas áreas, conforme descrito no plano de metas. Cita, entre as obras, as do Hospital Municipal da Brasilândia, que começará o atendimento no pronto-socorro e rede hora certa no segundo semestre deste ano. A prefeitura afirma que a redução no volume das transferências de recursos federais e a falência de empresas estão entre as causas da paralisação de algumas obras.

No setor da habitação, segundo a assessoria de imprensa da prefeitura, “mais de 90% das obras paralisadas em São Paulo são ligadas ao ‘Minha Casa Minha Vida’, programa do Governo Federal que nesse ano recebeu o menor investimento desde a sua fundação, em 2009.” Na nota enviada à reportagem, a prefeitura não esclarece se pretende retomar as obras do túnel do prolongamento da avenida Roberto Marinho. Em junho do ano passado, no entanto, afirmou à Folha não haver, então, planos para retomar o projeto por falta de recursos.

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