quinta-feira, 18 abril 2024

USP apura 21 suspeitas de fraude nas cotas; alunos cancelam matrícula

A USP investiga casos de pelo menos 21 estudantes suspeitos de fraudar o sistema de cotas da universidade. Em meio à apuração, parte deles já pediu o cancelamento da matrícula. As denúncias têm partido de alunos e do movimento negro. Entre os casos apontados, estão os de alunos de olhos azuis e de ascendência asiática.

Implantadas em 2018, as cotas contribuíram para ampliar a presença de estudantes negros na universidade, que passaram de 17% para 25% em cinco anos. A aplicação do sistema é gradual. No ano passado, 37% das vagas foram destinadas a egressos de escola pública. Neste, 40%. Em 2021, o índice deverá chegar a 50%. Dentro desses percentuais, 37,5% das vagas vão para estudantes pretos, pardos e indígenas.

Para pleitear uma delas, basta o candidato apresentar o diploma de escola pública e se dizer pertencente a um desses grupos. Diferentemente de outras universidades, a USP não faz uma verificação dessa autodeclaração. Os 21 casos apurados por comissão nomeada pela Pró-Reitoria de Graduação da USP, agora sob análise jurídica da Procuradoria-Geral da universidade, são uma fração do universo do sistema de cotas. Os vestibulares de 2018 e 2019 ofereceram, ao todo, 3.595 vagas a candidatos autodeclarados pretos, pardos e indígenas.

Integrante do Comitê Antifraude da USP, criado por alunos, Lucas Módolo diz acreditar, porém, que o número real de fraudes é maior do que o investigado pela cúpula da universidade. Desde 2018, o grupo já recebeu 400 denúncias, algumas referentes aos mesmos casos. Após uma avaliação preliminar, 50 casos suspeitos foram encaminhados às instâncias oficiais da universidade.

Ele ressalta ainda que o número é apenas uma fração do total, pois não é possível identificar quem entrou nas cotas por meio da Fuvest. A forma de ingresso só é especificada na lista do Sisu, que seleciona estudantes por meio da nota do Enem. Mas 42% das vagas por cotas foram preenchidas pela Fuvest.

“Se, mesmo com informações públicas, já tem fraude no Sisu, imagina na Fuvest, em que não há essas informações”, afirma Módolo, que acaba de se formar em direito. Ele ressalta que não cabe ao comitê que ele integra definir quem é negro e quem não é, mas avalia que a forma atual da USP de lidar com o problema é insuficiente.

“Não estamos falando de casos limítrofes. Existem alguns assim, mas temos visto exemplos escandalosos”, afirma. “É inegável que a USP está mais diversa. Mas, para que a política pública seja efetiva, é preciso pensar em como torná-la ainda mais eficaz.”

A Faculdade de Direito da USP instaurou uma comissão própria para apurar os casos apontados como possíveis fraudes. Segundo o diretor da unidade, Floriano de Azevedo Marques Neto, cerca de dez estudantes intimados cancelaram a matrícula antes da conclusão da apuração.

Outros identificados como potenciais fraudadores foram ouvidos, e a comissão concluiu que não há dúvidas de que são negros. Marques Neto cita como exemplo o caso de uma aluna antes aprovada pelo sistema da cotas na Ufba (Universidade Federal da Bahia), onde a autodeclaração é aferida por uma comissão.

Cerca de um terço dos casos, por sua vez, foi levado à Pró-Reitoria de Graduação. Não se sabe se são os mesmos que já eram investigados no órgão. Dentre esses, diz o diretor, resta dúvida sobre algumas situações, principalmente dos que se declaram pardos. Um exemplo que cita é o de alunos de origem árabe magrebina.

Em recomendação enviada à USP em outubro, as defensorias públicas de São Paulo e da União preconizam que a universidade passe a prever no processo seletivo uma etapa de verificação da autodeclaração dos candidatos, preferencialmente por entrevista.

O documento também pede que sejam implementadas instâncias internas de apuração e que deixe de ser exigido que o denunciante faça um boletim de ocorrência –essa determinação, inicialmente colocada pela USP, tem sido rechaçada por alunos por não permitir denúncia anônima. O frei David Santos, da ONG Educafro, também enviou carta à Pró-Reitoria de Graduação pedindo a instalação da comissão de verificação para os próximos vestibulares e um pente-fino da autenticidade da declaração dos já matriculados.

Solicitou ainda que a universidade divulgue orientações sobre a autodeclaração antes do vestibular e exponha os nomes e fotos dos aprovados por cotas em cada chamada. Junto à carta, a ONG encaminha dez casos de suposta fraude e afirma que, caso a universidade responda que vai implementar alguma outra medida efetiva, outras 200 denúncias serão encaminhadas.

Entre as universidades que adotaram comissões de verificação da autodeclaração (heteroidentificação) estão, além da Ufba, a UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), a UFRJ (federal do Rio de Janeiro) e a UFPE (de Pernambuco). A portaria do Ministério do Planejamento de 2018 que instituiu as comissões de verficação (heteroidentificação) de concursos públicos prevê que seja considerado o fenótipo dos candidatos –ou seja, não importa a ascendência de cada um.

Pró-Reitor de Graduação da USP, Edmund Baracat diz que o procedimento da USP em relação ao tema está sob análise. Ele afirma que as denúncias que foram formalizadas até o momento foram averiguadas por uma comissão, por meio de entrevistas, e o resultado deve ser divulgado em breve.

Para Baracat, é muito difícil para a USP passar a entrevistar todos os candidatos autodeclarados pretos, pardos e indígenas por causa do alto volume de ingressantes. Para 2020, estão reservadas 2.000 vagas para esse público. “Uma entrevista leva em torno de meia hora. Quanto tempo levaria para falar com todos?”, questiona.

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