terça-feira, 23 abril 2024

Doria sofre derrota, e MP mantém investigação sobre puxadinho de sua mansão

Ao contrariar o entendimento do procurador-geral de Justiça, o Conselho Superior do Ministério Público de São Paulo decidiu manter em andamento o inquérito que investiga se o governador João Doria (PSDB) cometeu improbidade administrativa ao ter anexado e, posteriormente, comprado uma viela contígua à sua mansão em Campos do Jordão (SP).

O procurador Pedro de Jesus Juliotti avaliou que era preciso aprofundar a investigação antes de eventualmente encerrá-lo. Ele foi acompanhado pelos demais membros do conselho em reunião nesta terça-feira (5).  A anexação da viela foi revelada pela Folha de S.Paulo durante a campanha de Doria à Prefeitura de São Paulo, em 2016.

Quando Doria foi eleito governador em 2018, o caso que tramitava em Campos do Jordão foi remetido para o procurador-geral de Justiça, Gianpaolo Smanio, devido à prerrogativa de foro. Smanio defendeu o arquivamento do inquérito, mas sua decisão não foi acompanhada agora pelo conselho.

No final da década de 1990, Doria anexou a área da viela sanitária, de 365 metros quadrados, ao terreno de sua casa, que ocupa um quarteirão no bairro de Descansópolis. Ele cercou com muros e portão de ferro a pequena rua, que era usada pelos moradores do local. Vielas sanitárias, muito comuns na cidade, são espaços entre terrenos deixados para que nada seja construído sobre a tubulação de sistemas de água e saneamento.

A anexação da área pública por Doria foi considerada irregular pela Justiça paulista, que, em 2009, determinou a reintegração de posse para o município. O tucano ignorou a determinação durante sete anos. Após reportagem da Folha de S.Paulo, em 2016, Doria desobstruiu a via pública. Faltava uma semana para a eleição para a Prefeitura de São Paulo, vencida por ele em primeiro turno.

Em novembro de 2016, a Prefeitura de Campos do Jordão, comandada pelo aliado de Doria, Frederico Guidoni (PSDB), colocou à venda 50 terrenos públicos considerados sem interesse público -entre eles a travessa de interesse do governador. O programa de desafetação dessas áreas foi aprovado por unanimidade pelos vereadores da cidade em duas sessões, em março de 2017.

Quando a concorrência foi aberta, a empresa CFJ Administração Ltda., responsável pela administração dos imóveis de Doria, foi a única interessada na área. A empresa pagou R$ 173.300 pelo terreno, R$ 3.000 acima do preço mínimo. A conta foi dividida em três parcelas, já quitadas. Ao avaliar o caso, o procurador-geral de Justiça considerou a alienação do terreno e o processo licitatório como regulares.

O procurador Juliotti, no entanto, ponderou que a investigação sequer ouviu os vizinhos do local. Também argumentou que a desafetação de um bem público exige autorização, licitação e interesse social, e que era preciso apurar se o último critério estava presente para viabilizar a venda da viela.

O procurador também afirmou que era preciso avaliar o preço de mercado da viela para saber se não houve prejuízo ao erário caso o pagamento de Doria tenha sido abaixo desse valor.  Juliotti determinou, então, a continuação das investigações, com oitiva dos vizinhos, avaliação de mercado da viela e questionamentos à prefeitura sobre os motivos de colocar a área à venda.

Em nota nesta terça-feira, a assessoria de Doria afirmou que “o Conselho do Ministério Público deve constatar a legalidade da ação que já foi verificada pelo procurador-geral de Justiça, chefe do Ministério Público, no pedido de arquivamento do caso”.

A assessoria diz ainda que o processo de venda dos 50 terrenos do município foi autorizado pela Câmara de Vereadores “através de concorrência pública como determina a lei”.  Em debate com candidatos à Prefeitura de São Paulo em 2016, Doria foi questionado sobre a área anexada pela então candidata do PSOL, Luiza Erundina, e se recusou a falar sobre o assunto, alegando que o terreno fugia do tema do debate.

“Uma pessoa pública tem que responder pelos seus atos independentemente deles se darem aqui ou fora de São Paulo”, rebateu Erundina, que foi aplaudida. Depois do intervalo, Doria afirmou que iria devolver a área, sem mencionar que havia uma decisão da Justiça que o obrigava a fazer isso.

ENTENDA O CASO

No final dos anos 1990 João Doria ergue muros para anexar uma área do município ao terreno de sua mansão, em Campos do Jordão. A viela era usada por pedestres A Justiça considera o ato irregular e, em 2009, determina a reintegração de posse O tucano faz acordo com a prefeitura e doa um gerador de energia para o município em troca da área pública Câmara de Campos aponta ilegalidade e ato é revogado Em 2016 a Folha revela que Doria desobedeceu por sete anos a ordem judicial, mantendo a área fechada Duas semanas após a reportagem, Doria acata a decisão judicial A população volta a usar a viela No mês seguinte Doria é eleito prefeito de São Paulo Dois meses após Doria ter devolvido a viela, o prefeito Frederico Guidoni, amigo dele, envia à Câmara projeto de lei que autoriza a venda de terrenos públicos, entre eles o desejado pelo tucano Em março de 2017, os vereadores aprovam a lei Em fevereiro de 2018 Doria é o único participante da concorrência pela viela A área é vendida por R$ 173 mil, parcelados em três vezes Doria fecha a viela ao público

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