No último dia 27 de junho, o Governo de São Paulo passou a distribuir o uso de medicamentos à base de canabidiol (CBD) nas Farmácias de Medicamentos Especializados (FME) por meio do SUS (Sistema Único de Saúde), ampliando o acesso e, consequentemente, debate acerca do tema.
Na Região Metropolitana de Campinas (RMC), o trabalho de conscientização sobre o uso da Cannabis medicinal, bem como a facilitação do acesso já tem sido feito há algum tempo por algumas entidades.
Quem vem se destacando no assunto são os voluntários da ONG Pangeia, com o projeto “Em Busca do THC”, que facilita o acesso ao remédio por pessoas em maior vulnerabilidade social de cinco municípios da região: Americana, Campinas, Hortolândia, Nova Odessa e Sumaré.
Pelo projeto, a Pangeia traz informações sobre os benefícios da Cannabis para saúde e oferece gratuitamente – ou em valor mais acessível – o medicamento a pessoas que tenham receitas médicas para o cuidado de algumas patologias. Atualmente, cerca de 50 pessoas são beneficiadas pela iniciativa, que conta com a atuação de 24 voluntários.
A presidente da associação, a psicanalista Jéssica de Souza, explica que o projeto foi desenvolvido baseado em três pontos: a dificuldade do acesso ao remédio pela população, combater a desinformação acerca do tema e, assim, reduzir o preconceito sofrido pelo pacientes. “Ele surge na necessidade de fazer essa mudança e de voltar totalmente o olhar para a comunidade para poder acrescentar e conseguir fazer uma diferença”, destaca.
HISTÓRIA E BENEFÍCIOS DA CANNABIS
Os primeiros registros sobre o uso da Cannabis para fins medicinais datam de cerca de 3 mil anos antes de Cristo. Há indícios da prescrição de chá da erva para o tratamento da gota, reumatismo, malária e até memória fraca, pelo imperador chinês ShenNeng. O uso medicinal da maconha passa ainda por outro países da Ásia e África.
No Brasil, há registros do uso de Cannabis desde a época colonial. A erva teria sido trazia por africanos escravizados e se popularizado rapidamente pelo país.
Especialista em medicina da família, a médica Marcela Piccolo também utiliza as redes sociais para compartilhar informações sobre o uso terapêutico e consciente da Cannabis. De acordo com ela, existem estudos em andamento investigando a utilização da planta no tratamento de uma série de condições, como TEA (Transtorno do Espectro Autista), doenças neurodegenerativas, entre elas Parkinson e Alzheimer, além de epilepsia a e alívio da dores crônicas.
“Ela [a Cannabis] ajuda na redução de espasmos musculares. Estamos estudando também cada vez mais a melhora do sono, redução de ansiedade e até alguns casos de sintomas depressivos”, diz a médica. Ela ressalta ainda que para cada situação é realizado um estudo sobre o paciente para que a medicação seja prescrita e melhor indicada para o benefício da saúde.
Segundo a especialista, a Cannabis serve para diversas condições, já que o ser humano possui um sistema endocanabinoide, isto é, um grande regulador de inúmeras funções do corpo que produz compostos parecidos com a Cannabis. “Quando utilizamos uma medicação à base de Cannabis, ela age de diversas formas dentro desse sistema. Nosso corpo reconhece essa molécula e, por isso, constatamos que é uma medicação segura e com poucos efeitos colaterais”, ressalta.
PRECONCEITO
Ao mesmo tempo que há um aumento do interesse por estudos relacionados à maconha medicinal e ao acesso via sistema de saúde, há também muito preconceito enraizado, o que acaba dividindo opiniões sobre o uso.
Segundo Jéssica, esse preconceito atrapalha no tratamento de cada paciente, que muitas vezes deixa de utilizar o remédio por discordância dentro da própria família. Ela menciona ainda episódios em que pacientes negros sofrem com o racismo estrutural das forças policiais, que raramente diferem o paciente do usuário recreativo.
Já Marcela comenta que preconceitos sociais foram se enraizando com o passar do tempo devido à disseminação de informações falsas. Para a especialista, o debate sobre a diferenciação do uso recreativo da Cannabis com o uso prescritivo para um tratamento é importante.
“No uso recreativo as vezes a gente não sabe qual é a dose e quais compostos estão presentes ali. Já no uso medicinal a gente tem um direcionamento médico, uma indicação formal para aquele tratamento, a composição correta e um acompanhamento a longo prazo”, diz, ressaltando que o caminho é a divulgação do conhecimento.
Para quebrar preconceitos, a Pangeia criou uma mesa de redução de danos para trazer o debate dentro das comunidades e em eventos das quais a ONG participa. Eles também destacam que a informação é o melhor item para combater o preconceito e que o plano é que essa assessoria seguirá expandindo para mais lugares.
“Alguns até tem a informação mas têm preconceito. Quando a pessoa ouve falando de Cannabis tem um olhar e quando ouve falando de maconha tem outro, mas é a mesma coisa. É a planta que é capaz de fazer a diferença na vida das pessoas e contribuir para que a pessoa tenha uma vida mais saudável, independentemente da patologia que ela está tendo ali naquele momento”, destaca.
EXEMPLOS NA SAÚDE
O designer gráfico e produtor audiovisual Matheus Sousa, de Hortolândia, é uma das pessoas que fazem uso do óleo fullspectrum (com CBD e THC) há cerca de um ano para o tratamento de TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade), ansiedade e depressão. Ele é um dos associados que realiza o tratamento com a ajuda da Pangeia.
“Desde a primeira vez que eu usei, pinguei a gotinha, eu já notei que era diferente de outros remédios que eu usava. Os remédios que eu tomava antigamente trazia muitos efeitos colaterais, que o óleo não traz”, diz Matheus, que enfatiza que agora ele tem mais qualidade de vida do que antes.
Jéssica, que também faz o uso, diz que com a medicação ela consegue controlar a ansiedade, que inclusive a impedia de comer. “Ela muda a sua vida da água para o vinho”, destaca.
A ONG tem ainda como associada uma adolescente de 13 anos, com o devido acompanhamento dos responsáveis. Ela, que está no espectro autista, identifica mudanças significativas na rotina desde o início do tratamento.
“Ela tá conseguindo ter uma vida bem melhor e você vê que realmente muda a vida de pessoas. Você vê a mãe dela feliz, a família feliz, isso muda vidas”, diz a presidente da entidade.
“Se você quer se tratar, se foi indicado e você vê que o medicamento te ajuda de verdade, para que você vai deixar de tomar, né? Desligue os medos e pense eu quero focar em mim e na minha saúde”, finaliza Matheus.
COMO TER A AJUDA DA PANGEIA?
Para fazer o uso da medicação, é importante e necessário se consultar com um médico prescritor, que vai definir se patologias do paciente se enquadram em casos possíveis de serem tratados com a Cannabis medicinal.
Com receita em mãos, basta entrar em contato com a associação que, por sua vez, analisa a quantidade necessária e se a pessoa consegue ou não arcar com as despesas do medicamento. Um assistente social faz essa análise e apenas depois disso o remédio é entregue.
“Para pessoas que tem mais condição a gente cobra um valor mais baixo até para poder contribuir para manter a associação”, explica a presidente, que ressalta que a busca por apoiadores é sempre necessária para que o projeto se mantenha vivo.
Para quem tiver interesse em apoiar a causa, basta acessar as redes sociais do projeto em @embuscadothc no Instagram e realizar doações ou se voluntariar para fazer parte do projeto. O contato também pode ser feito via e-mail pelo endereço ongpangeia@gmail.com.