O excesso de peso está ligado diretamente aos maus hábitos alimentares, à fala de exercícios, enfim, ao contexto do cotidiano. O que pouca gente sabe, no entanto, é que as pessoas têm uma propensão genética para acumular açúcares e gorduras no organismo.
A conclusão é de pesquisadores da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), que tomou por base a análise de 900 mil marcadores genéticos distribuídos nos genomas de 264 pessoas que moram na região.
Os dados foram obtidos de voluntários sem doença específica, mas que representam a diversidade genética dos pacientes atendidos no HC (Hospital de Clínicas) da Unicamp. A amostra explorou a chamada “ancestralidade local” de cada genoma: africana, europeia, indígena…
A investigação foi coordenada pela professora Iscia Lopes-Cendes, chefe do Laboratório de Genética Molecular da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp. E já faz parte de publicações científicas internacionais.
Os resultados foram surpreendentes. Se engana redondamente quem acredita que obesidade é mais comum entre descendentes de italianos, que recebem dos ancestrais o hábito de comer macarrão. Os mais propensos à gordura são os que descendem de índios.
A ancestralidade indígena fornece um gene específico, associado à capacidade do organismo de acumular glicídios e lipídios, que criam predisposição ao desenvolvimento de obesidade e doenças correlatas, como a diabetes.
Os pesquisadores opinam que, muito provavelmente, o cromossomo foi submetido a um processo de pressão seletiva no passado, voltada para a adaptação do indivíduo ao meio.
Em uma época em que a comida era escassa, o gene relacionado com o acúmulo de glicídios e lipídios daria uma vantagem evolutiva aos seus portadores, possibilitando que vivessem por mais tempo.
Hoje, comida pesada, sedentarismo, tabagismo e alcoolismo colaboram para desfigurar a herança genética.
20 PESSOAS ENVOLVIDAS
O estudo foi desenvolvido por um grupo de 20 pesquisadores ligados ao Instituto Brasileiro de Neurociência e Nanotecnologia, centro de inovação e difusão do conhecimento.
“Foi o primeiro estudo feito com esse nível de resolução no Brasil. A maioria dos estudos de ancestralidade na população brasileira utilizava não mais de 40 marcadores”, conta a professora Iscia Lopes-Cendes.
Em entrevista ao TodoDia, a professora explicou que os resultados podem orientar políticas públicas de combate à obesidade e suas complicações.
“A nossa iniciativa sugere a chamada medicina de precisão, onde os médicos podem usar a tecnologia genômica para conhecer melhor o paciente, e fazer corretamente a prescrição dos medicamentos”, explica.
“O colesterol alto e a hipertensão, por exemplo, podem receber tratamentos específicos em cada caso, considerando a predisposição genética”, completa.
E, segundo a professora, é errado imaginar que o acesso aos bancos de dados genéticos implica em altos investimentos, e que a iniciativa é inviável para os hospitais públicos.
A proposta da medicina da precisão é exatamente produzir medicamentos eficazes e ministrá-los na quantia correta. O gasto de hoje vai significar economia amanhã.
CONFIRA
O artigo “Distribution of local ancestry and evidence of adaptation in admixed populations” pode ser acessado em www.nature.com/articles/s41598-019- 50362-2.