sábado, 20 setembro 2025
RESISTÊNCIA

Movimento negro luta contra apagamento histórico e busca criação de Centro de Memória

“Uma história difícil e dolorosa, mas também de resistência e vida”, afirma Seu Dito Preto, liderança do movimento negro em Americana
Por
Nicoly Maia
A ideia é inaugurar até 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, com uma grande exposição para Americana, Santa Bárbara e região. Foto: Ana Machado/TV TODODIA

Com o objetivo de “retratar o que perdemos”. É assim que Samuel Barbosa, ativista e referência nos movimentos negros da região, conhecido como “Seu Dito Preto”, define o papel social da criação do Centro de Memória do Seu Dito Preto. O pedido foi formalizado pela Unegro em uma carta encaminhada ao prefeito de Americana, Chico Sardelli (PL), na última semana (15).

“Quem escreveu a história foram aqueles que escravizaram a gente. Eles não contaram a nossa história, contaram a deles. E hoje nós estamos reconstruindo a nossa. Essa exposição de memórias que estamos pensando é para retratar ainda mais o que perdemos, e também mostrar o trabalho do movimento negro”, comenta Seu Dito.

Preservação da história
O Centro de Memória visa ser um espaço de escuta e preservação da história do povo negro em Americana, com exposições sobre usos e costumes, culinária, vestuário, religião e instrumentos musicais.

“Temos uma frase que diz: nem tudo foi italiano e nem tudo foi estadunidense. Nós temos a memória do povo negro. Estar aqui é resistência enquanto movimento negro. é uma luta constante para mostrar que buscamos equidade racial e reparação de um povo cuja memória foi apagada. É essencial que os jovens conheçam essa história, que também faz parte da nossa trajetória e ajuda a construir nossa identidade”, afirma Cláudia Monteiro da Rocha Ramos, representante da Unegro e mestre em Educação pela Unicamp.

Quem é Benedito?
Nascido em Piracicaba, Benedito mudou-se para Americana há mais de 40 anos. A partir da década de 1980, passou a atuar em movimentos ligados à história e à cultura afro, especialmente durante as celebrações dos 100 anos da abolição da escravatura.

“Não havia livros que falassem da gente, só histórias contadas pelos nossos pais. Então fomos atrás da história verdadeira, de como fomos sequestrados na África, de como chegamos aqui e do que construímos. Criamos grupos em Americana e Santa Bárbara, desenvolvemos um trabalho de resgate cultural e conquistamos mais respeito. Esse trabalho abriu portas”, conta.

O Centro de Memória tem como objetivo ser um espaço de escuta e preservação da história. Foto: Ana Machado/TV TODODIA

Contato com outras comunidades negras
Com o tempo, Seu Dito viajou pelo Brasil e também para o exterior (Equador, Santo Domingo e Panamá), levando experiências e trocando vivências. “Descobri que a história dos negros no mundo é parecida. Conseguimos criar grupos, fortalecer o movimento e incentivar que negros e negras chegassem ao ensino superior. Criamos também uma entidade que hoje atende cerca de 150 crianças e mais de 50 idosos. Nosso movimento fez a cidade se mexer”, explica.

Ele também destaca a atuação em áreas como saúde e educação. “Ninguém pesquisava anemia falciforme, que é uma doença de característica africana. Nosso trabalho ajudou a levantar essa questão e a conscientizar professores sobre como lidar com o racismo, a discriminação e a valorização da criança negra.”

História dos negros em Americana
Segundo o livro “Identidade e Memória: a trajetória histórica dos negros de Americana”, da autora Cláudia Monteiro da Rocha Ramos, os primeiros negros chegaram às terras de Salto Grande em 1799, trazidos da região de Minas Gerais por Manuel Teixeira Vilela. Eles fortaleceram a economia com a produção de cana-de-açúcar e café.

Há registros de famílias negras escravizadas que trabalharam na Fábrica Carioba, em 1887, quando ela pertencia à família Wilmot. Após a transição da fábrica para a família Muller, a presença negra foi diminuindo nos espaços de trabalho.

Casarão do Salto Grande principal monumento para a população negra. Foto: Alessandro Araujo/TV TODODIA

Atraso
Campinas foi uma das últimas cidades a reconhecer a lei que pôs fim à escravidão. Com a chegada da mão de obra italiana no final do século 19, os negros foram preteridos e obrigados a buscar trabalho em outras cidades da região. Esse processo fragmentou a história e contribuiu para o apagamento de memórias.

Já o Casarão do Salto Grande, construção do século XIX, está fechado desde 2008, sendo apontado como possível espaço para sediar o futuro Centro de Memória.

A importância 
A preocupação do movimento negro é não perder ainda mais registros, principalmente porque muitas histórias orais já se perderam com o tempo. “Estamos correndo contra o tempo. É uma busca incessante para não perder mais dessa memória. A tecnologia tem nos ajudado a reconstruir histórias, mas é fundamental demarcar um espaço físico. Esse centro de memória nasce como reivindicação antiga do movimento negro de Americana. A cidade não resguarda a trajetória do povo negro, e precisamos deixar esse legado para as próximas gerações”, reforça Cláudia Monteiro da Rocha.

Cláudia Monteiro da Rocha Ramos, representante da Unegro e mestre em Educação pela Unicamp. Foto: Alessandro Araujo/TV TODODIA

Pedido ao prefeito
De acordo com Seu Dito Preto, o pedido entregue ao prefeito Chico Sardelli é uma oportunidade de dar visibilidade ao tema. Ele relembra que, ainda como deputado, Sardelli já havia apoiado causas ligadas à população negra.

“Ele disse que vai ajudar no que for possível. Agora falta definir o espaço, e temos vários locais em vista. A ideia é inaugurar até 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, com uma grande exposição para Americana, Santa Bárbara e região. Queremos mostrar que temos história, uma história difícil e dolorosa, mas também de resistência e vida”, conclui.

Posição da Prefeitura de Americana
A equipe de reportagem da TV TODODIA entrou em contato com a prefeitura para solicitar um posicionamento de planejamento do Centro de Memória, mas até o fechamento dessa matéria não houve retorno. Caso a solicitação seja respondida, este texto será atualizado.

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