sexta-feira, 26 abril 2024

‘Respeitável público…’

“Quem bebe da água da lona de um circo nunca mais consegue deixá-lo”. Essa máxima traduz a experiência daqueles que se apaixonam pelo picadeiro e pelo espetáculo. É como se suas vidas a partir daquele instante fossem alçadas a outro patamar: ao de um mundo de sonhos e fantasias.
São muitas as emoções durante um espetáculo de circo. Em questão de minutos você pode ir das lágrimas ao sorriso, passando pelo impacto causado pela ousadia e coragem dos artistas. E foi pensando justamente nesta complexidade de sentimentos, que a reportagem do TODODIA invadiu os bastidores do Circo Bremer, que encerra temporada em Americana hoje, após três semanas de apresentações.
O Circo Bremer nasceu da fusão de duas famílias em Porto Alegre (RS): os Silva e Portugal, que já tinham tradição circense de outras gerações. São mais de 27 anos de história. A companhia conta hoje com 28 pessoas, mas chegou a ter até 60 integrantes. Eles percorreram todos os Estados brasileiros e também fizeram turnê no Uruguai e na Argentina.
Na bagagem, mas principalmente no coração e nas lembranças de cada um dos artistas, ficaram memórias de apresentações inesquecíveis e dos laços de amizade fincados em cada lugar por onde já passaram. Por outro lado, há também ressentimentos e lembranças tristes, como por exemplo, quando foram obrigados a abdicarem dos seus animais devido à legislação federal que os proibia em circos, e também a um triste episódio que vivenciaram em 2010: quando uma das carretas da companhia pegou fogo.
No acidente, sem feridos, perderam muitas coisas que haviam levado anos para adquirir, como iluminação, brinquedos e figurinos. No entanto, como eles frisaram, o “espetáculo não podia acabar por isso, e as cinzas viraram o combustível para se reerguerem”. Eles relembram que, logo após o incêndio, todos se uniram porque dependiam das apresentações para sobreviverem e a tristeza não combinava com o picadeiro.
Aos 23 anos, Heloise Silva Portugal, a Helô, pode ser considerada uma “veterana” na companhia. Dentre os números que participa atualmente estão o do globo da morte e do bambolê, no qual ela equilibra com muito talento e desenvoltura mais de 10 bambolês. Além dela, trabalham no espetáculo outras duas irmãs e seu pai, que é o apresentador das atrações e dono do circo. “Vivemos uma rotina que não é uma rotina porque cada dia nos deparamos com um público diferente. A nossa apresentação varia conforme o feedback da plateia, por isso, cada dia é uma emoção totalmente nova e inesperada. Isso é o mais legal da nossa profissão”, explica.
Helô destaca que a aventura de conhecer cidades e estados diferentes é outro ponto positivo da vida artística. Somente na véspera de cada viagem é que os artistas descobrem o roteiro, revelado pelos administradores.
A partir daí iniciam a busca por informações, já que nas folgas do circo, eles aproveitam o tempo livre para conhecer os pontos turísticos.
Os artistas vivem em ônibus/trailler. Como vive atualmente com as irmãs, pais e uma avó no trailler, Helô planeja para o futuro a compra do seu próprio “cantinho”. “Eu nem cogito a possibilidade de abandonar a vida circense. Amo o que faço e quero viver o resto da minha vida dentro de um circo, mas quero ter minha própria carreta”, diz.

 
Sobreviver à crise é desafio

Para sobreviver diante da grave crise financeira e social enfrentada pelo país, Helô explica que, assim como em outras profissões, o circo precisou se reiventar. A primeira adequação foi após a proibição de animais em circo. Ela critica a decisão, pois aponta que em sua companhia os animais eram muito bem tratados e eram como integrantes da família. Tinham tigres, camelos, dromedários, cavalos, entre outros, que precisaram ser doados. “Todos animais eram muito bem tratados. Por que não proíbem os animais nos rodeios?”, questiona. A solução em sua opinião seria a fiscalização e não a proibição.
O circo tem sobrevivido à crise firmando parceria com outras companhias artísticas de shows infantis, como a do Mundo Disney, que faz turnê em Americana. Além disso, eles fazem diferentes promoções para atrair o público. “Queremos resgatar cada vez mais o interesse das pessoas pelo circo. É uma arte tão antiga que tem o único intuito de despertar alegria nas pessoas. Essa é a nossa missão e grande luta”.

 Paixão pelo globo da morte

Integrar o elenco de uma companhia circense não deixa de ser uma aventura com doses de adrenalina intensa. Entre tantos desafios, talvez um deles, e um dos mais icônicos, seja o do globo da morte. No número, três motociclistas fazem diferentes acrobacias em alta velocidade.
Um simples descuido ou piscar de olhos pode ocasionar um grave acidente. Mesmo assim, essa foi uma das atrações que o garoto Luis Eduardo Portugal, 15, quis aprender. “Comecei a trabalhar no circo quando tinha 6 anos. Aos 7 eu já ensaiava no globo da morte com uma bicicleta. Depois fui passando pra motinhos pequenas até me sentir seguro para fazer as acrobacias”, conta.
Apesar de ainda hoje fazer o número, foi como palhaço que ele acabou se encontrando. Portugal diz que aproveitou-se da saída de um dos atores do espetáculo para se aventurar no mundo do riso. “Essa transição não foi nada fácil, mas quando vi já estava interagindo com o público, e estar em contato direto com a plateia é muito prazeroso”.
Tanto Maizena quanto Pimentinha ressaltam uma característica importante do palhaço: o despertar do riso. “Tem dias que estamos tristes, magoados, mas isso tem que ficar em segundo plano. O riso é o nosso passaporte. Sem ele não tem como embarcar na nossa viagem”, diz Maisena.

 

O sorriso fácil é uma de suas marcas registradas. Há quem considere que essa característica seja primordial ao seu trabalho, já que é praticamente impensável um palhaço que não nos faça sorrir ou que não tenha pretensão de arrancar gargalhadas do seu público.
No entanto, quem conhece a fundo a história de Nando Jr, o palhaço “Maizena”, sabe que foi graças ao circo que sua vida passou por uma reviravolta. Nando conta que literalmente bebeu da lona do circo. “Logo no meu início me contaram essa lenda, e num dia fui lá e bebi da água que escorria pela lona. E não é que deu certo?”, relata.
Aos 20 anos, Maizena lembra que atravessava uma depressão há quatro anos. Após assistir a uma apresentação, pediu trabalho no Circo Bremer. “E foi assim que comecei minha nova vida, desta vez, dentro de um picadeiro”.
Hoje, ele faz dupla com outro rapaz nascido no circo, Luis Eduardo Portugal, que interpreta o palhaço “Pimentinha”. Cabe à dupla, os momentos de interação e de risos com a plateia. E para finalizar, Maizena utiliza uma frase de um dos seus ídolos, Charles Chaplin, para explicar a transformação sofrida em sua vida: “Um dia sem sorriso é um dia perdido”.

 
 

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