quarta-feira, 17 abril 2024

Asa Branca: o adeus à voz dos rodeios

O auge aconteceu nos anos 1990, quando ele chegava a eventos como a Festa do Peão de Boiadeiro de Barretos (SP) em helicópteros, saltando de paraquedas ou em tirolesas. Já narrou montarias dentro de camionetes em movimento e até mesmo em cima de cavalos. O que tornou possível Waldemar Ruy dos Santos, o “Asa Branca”, ter inovado o estilo de narrar foi descer do palco e ficar dentro das arenas de rodeios. 

Até então, locutores lendários como Zé do Prato (1948-1992) não se aventuravam a descer na pista de montarias e ficar perto dos animais que chegam a pesar mais de uma tonelada. 

Tudo foi possível por Asa Branca – apelido recebido por ter hábito de aprisionar pássaros – ter “descoberto” na década anterior o microfone sem fio, quando limpava cocheiras no Texas (EUA). “Era coisa de outro mundo”, disse ele – que desistiu de ser peão após ser pisoteado por um touro em 1984 – certa vez a este jornalista. 

Com a fama e o dinheiro chegaram também os símbolos de autodestruição que vez ou outra atingem artistas: noitadas e abuso de bebidas, drogas e sexo. 

Conseguia amealhar até R$ 1 milhão em cachês em um único mês, mas gastava com fretamentos de aviões e helicópteros, prostitutas, muitas garrafas de uísque e cocaína. 

Se fora das arenas os excessos consumiam o patrimônio – chegou a dizer ter perdido R$ 10 milhões com farras -, dentro Asa Branca era o principal símbolo da mudança pelas quais os rodeios passavam e que resultaram na profissionalização da prática no País. 

Era a época da internacionalização do rodeio de Barretos (1993), do Real valorizado (1994), de peão brasileiro sendo campeão mundial (Adriano Moraes, em 1994) e da entrada de country, rock e disco como trilha sonora nas festas de peão. Saía de cena o caipira, entrava em ação o caubói. 

Asa Branca soube montar nesse cavalo que passava arreado como ninguém: propagou versos de rodeios e refrões nas arenas, gravou CDs, era figura fácil em programas de TV, namorou famosas e fez aparições em novelas. 

ESTILO | Foi o primeiro a narrar montaria dentro da arena

Essa nova identidade de comunicação sertaneja implantada pelo locutor fez escola, o que acabou por impulsionar o próprio Asa Branca como líder de um segmento e alvo de reverência de peões. 

SAÚDE 

A vida desregrada do locutor, que a essa altura da carreira já chegava a faltar a compromissos assumidos, teve novo capítulo em 1999, ano apontado por ele como o em que contraiu Aids de uma ex-namorada. Mas este não foi o único problema de saúde que afetaria o locutor nos anos seguintes. 

Oficialmente, a doença só foi descoberta em 2007, ao passar mal quando narrava um rodeio em Unaí (MG). No mesmo ano, foi internado numa clínica de reabilitação para tratar a dependência da cocaína. 

Já em 2013, uma neurocriptococose – doença do pombo – fez com que perdesse muito peso, ficasse internado cerca de três meses, passasse por seis cirurgias e quase morresse. Depois vieram meningite e hidrocefalia. 

Ainda tentou voltar ao mundo das festas de peão em pequenos eventos, que em nada se assemelhavam aos glamurosos rodeios que distribuem premiação próxima a R$ 1 milhão. 

Mas a voz já não era a mesma de antes – grave e forte -, tampouco o fôlego. Quase não conseguiu chegar ao final. 

Há dois anos, o locutor recebeu diagnóstico de câncer na garganta. 

O tumor chegou a regredir, mas a doença voltou neste ano, atingindo também a base da boca e dificultando cada vez mais a fala. 

Morreu nesta terça-feira (4), aos 57, no Icesp (Instituto do Câncer do Estado de São Paulo), onde estava internado desde o dia 14 de janeiro. Deixa a mulher, Sandra, com quem era casado havia 11 anos, e filhos. 

ARREPENDIMENTO NOS ÚLTIMOS MESES DE VIDA 

Nos últimos meses, Asa Branca passou a dar entrevistas criticando os rodeios e afirmando que a prática gera maus-tratos aos animais. Via como uma tentativa de se redimir.  
Já tinha afirmado, em anos anteriores, que há festas de peão amadoras, em que touros eram vítimas de tachinhas ou pregos para que pulassem mais, mas recentemente passou a atacar a prática como um todo, o que foi refutado por grandes eventos.  
Dizia que a maioria dos médicos veterinários é contra os rodeios e que, se fosse para ser um animal, não queria ser um usado nas montarias.

“Todo dia, antes de dormir, eu peço perdão para Deus se eu incentivei a maltratar os animais”, disse. 

 
Por Marcelo Toledo 

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