segunda-feira, 14 julho 2025

Coletânea de Mestre

Os textos jornalísticos de Gabriel García Márquez teriam espaço na “mídia mainstream” dos dias atuais?

Pelos temas que ele aborda, sim. Gabo, como é conhecido, escreveu resenhas de cinema, cobriu cúpulas de presidentes, fez perfis de ditadores, relatou o desabastecimento em Caracas, a Revolução Cubana, a Revolução Sandinista e a violência do narcotráfico e das guerrilhas no país em que nasceu, a Colômbia.

Pelos formatos que ele usava, também. Embora, neste caso, pudesse irritar algum editor mais formal, que prefere o relato seco de um evento. Gabo gastava tempo nos detalhes que definiam um personagem – sua roupa, expressões, seu modo de falar.

E, não raramente, usava um recurso que não costuma funcionar bem no relato jornalístico por escrito, a ironia, fazendo o leitor rir de uma crônica que poderia ser chatérrima. Por exemplo, o relato de como o Papa havia se deslocado do Vaticano até sua casa de veraneio, em Castel Gandolfo, nos arredores de Roma.

O modo de abordar os eventos talvez escapasse aos manuais atuais de redação. Porém, nos dias atuais, marcados pela reinvenção e inovação do jornalismo, poderia levar a uma discussão sobre o motivo de não usar o legado do Gabo jornalista como inspiração.

Por exemplo, ao cobrir cúpulas presidenciais, chatas e arrastadas em geral, Gabo relatava como o então presidente dos Estados Unidos, Dwight Eisenhower, havia se ausentado de uma das reuniões para para comprar brinquedos para um neto.

Quando cobriu a inauguração da linha direta por telefone entre Bogotá e Medellín, pôs o foco em quem teria feito a barba, naquele dia, do então presidente colombiano Mariano Ospina Pérez, imaginando o que teria pensado o barbeiro ao ter “a faca afiada na garganta” do mandatário.

Já quando relatou a falta de água em Caracas, cidade onde viveu e trabalhou como jornalista, o fez com a grandiloquência da qual depois trataria as tragédias que caíram sobre a imaginária Macondo, onde se passa o seu romance mais célebre, “Cem Anos de Solidão”. Porém, sem inventar uma vírgula.

Parte de sua longa produção para distintos jornais e revistas está na coletânea “O Escândalo do Século”, que é lançada agora no Brasil. É uma seleção de 50 reportagens, com textos escritos entre 1950 e 1987, realizada pelo editor espanhol Cristóbal Pêra, com prólogo do jornalista americano Jon Lee Anderson, que foi amigo de Gabo.

“Gabo apreciava o jornalismo sério, e tinha reverência com relação aos jornalistas profissionais, o que não significa que não cometia alguns exageros, nem que fosse perfeito. Ele sabia disso e imprimia seu estilo. Também fica claro que desta fonte, a realidade, tiraria o material para sua literatura. E também escrevia com o cuidado necessário para que suas reportagens fossem bem escritas para serem lidas como contos”, diz Jon Lee Anderson.

Da primeira fase, a chamada “costeira”, quando viveu entre Cartagena e Barranquilla, cidades litorâneas da Colômbia, os textos são relatos jornalísticos com ambições literárias. Já quando morou na Europa como correspondente, sobressaiu o Gabo excitado por presenciar momentos históricos, ao mesmo tempo em que afinava sua ironia.

Já o Gabo da década de 1970, com as ditaduras latino-americanas no poder e sua aproximação a Fidel Castro, passou a ser um jornalista militante.

Nos anos 1980, ele amadureceu e passou a trabalhar por um jornalismo mais sério. “Prova disso é o livro ‘Notícias de um Sequestro’, em que tratou o tema com rigor e exaustão”, diz Anderson. E outra, a criação da Fundação Gabo, antes chamada de “Fundação para o Novo Jornalismo Ibero-Americano”, e que completa agora 25 anos. “Estamos fazendo o que Gabo faria num momento como este, de pandemia. Encontrar uma maneira para que o jornalismo seja atuante, inovador, essencial. Formando e treinando jornalistas”, conta Jaime Abello Banfi, que dirige a fundação.

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