sexta-feira, 19 abril 2024

Qual é o limite?

Série mais assistida da Netflix chama atenção de filósofos na relação com a vida real

REALIDADE | O mundo contemporâneo é refletido nos episódios da série Round 6, que pode ser assistida na Netflix (Foto: Divulgação)

Enquanto subia para o topo das top 10 mais assistidas da Netflix, a série coreana Round 6 ganhava análise de filósofos como Leandro Karnal. Em seu perfil do Instagram, ele relaciona o enredo com a nossa sociedade em perguntas provocativas: “O que leva as pessoas a arriscarem tudo por dinheiro? Quais os valores da vida? O que seria, de fato, felicidade?”.

Já o pensador sul-coreano Byung-Chul Han, autor de bestsellers como “Sociedade do Cansaço”, resgatou em entrevista ao jornal El País a máxima do “pão e circo”, o que a sociedade buscaria nesses tempos, de forma que a série se mostrava como exemplo do quanto as pessoas se dedicam aos jogos. “Essas pessoas estão totalmente endividadas e se entregam a esse jogo mortal que promete ganhos enormes. Round 6 representa um aspecto central do capitalismo em um formato extremo”.

Além das reflexões sobre a sociedade contemporânea, a série é carregada de cenas de violência, um alerta para os pais, já que a classificação etária é de 16 anos. Para aliviar o peso do enredo de vida ou morte por dinheiro, os memes proliferaram, ressuscitando personagens tradicionalmente endividados, como Seu Madruga, do Chaves. A icônica boneca do primeiro episódio também ganhou novos sentidos nas construções humorísticas de quem se aborrece com algum fato ou ação (que poderia ser “metralhado”).

Entretenimento à parte, o enredo reproduz a ideia de sociedade no limite da tensão numa realidade não sustentável já que, para muitos, a prosperidade pelo esforço não é real, mas uma ilusão – ao contrário, são pessoas que tentam sobreviver. Essa é uma das considerações do professor da faculdade de Ciências Sociais da PUC-Campinas, Vitor Barletta Machado. “Chegamos num ponto em que as pessoas aceitam determinados tipos de trabalho, mas que nem ‘qualquer coisa’ vale mais. Um exemplo são os motoristas de aplicativo. A oscilação de uma variável, que é a alta do preço dos combustíveis, fez com que essa saída já não fosse mais sustentável. Há pouco espaço de prosperidade real”, analisa.

Na série, os personagens têm altas cifras de dívidas, mesmo que não haja noção imediata da conversão em reais. Mas a bola de neve que uma dívida pode se tornar não é algo tão distante do brasileiro, como analisa o professor. Ele exemplifica com os juros de cartão de crédito ou cheque especial como parte de um sistema criado para não sair dele. E, além da dívida, as pessoas têm as demais despesas de consumo e sobrevivência, que não cessam. “Há uma cultura do parcelamento numa estrutura desigual. A maioria das pessoas não ganha o suficiente para arcar com as despesas e ter sobra para poupar”.

Além disso, como na série, na vida também há situações que fogem do planejamento financeiro, como eventuais doenças ou imprevistos com veículos que quebram.

Para maiores

Machado considera que, apesar da classificação etária, a maioria dos pais não fazem censura em casa. Mas a questão demanda um equilíbrio e acompanhamento familiar em que os pais tenham condições de conversar a respeito, seja para justificar por que as crianças não devem assistir ou dialogar se for assistir junto a jovens que tenham amadurecimento para o conteúdo. “Tudo pode ser discutido e debatido, o que depende da dinâmica familiar. Mas o consenso é de que não se trata de um conteúdo infantil”. 

Memes da série nas redes sociais divertem internautas

Folhapress

“Round 6” se tornou um dos maiores sucessos da Netflix desde que estreou no dia 17 de setembro. Mesmo quem ainda não assistiu à série coreana já viu vários memes engraçados nas redes sociais, principalmente com a boneca sinistra que elimina candidatos.

Uma das últimas brincadeiras dos internautas é com um despertador inspirado no jogo “Batatinha frita, um, dois, três”. O vídeo mostra um relógio segurado pela boneca soando o alarme. Como a pessoa não acorda, ela abre a boca, vira a cabeça e acerta um dardo no dorminhoco.

Os internautas adoraram o relógio e comentaram na postagem no Instagram que esse poderia ser o produto mais vendido da história. Outro perguntou: “Quem mais foi buscar [o produto] no Aliexpress?”

Outro meme compartilhado nas redes coloca uma versão gigante da boneca próximo a um cruzamento com semáforo. “Para os que não querem respeitar os semáforos”, escreveu o internauta.

Internautas também compartilharam várias imagens da boneca ao lado do personagem do Homer Simpson. “Eu vendo essa boneca em todo lugar, sem saber o porquê.” Em uma publicação no Twitter um internauta compartilha um vídeo da boneca cantando ao lado de um relógio e dardos sendo atirados contra personagens de desenhos.

A sanguinária série do streaming retrata um concurso que recruta centenas de pessoas altamente endividadas e dispostas a morrer, de forma impiedosa e cruel, em troca de um prêmio final de 45,6 bilhões de wons (cerca de R$ 210 milhões).

A trama distópica pareceu ressoar para alguns. “Não preciso de ‘Round 6’ quando já vivo na ‘Coreia do Inferno'”, escreveu um coreano no Twitter na última semana.

“Coreia do Inferno”, ou “Hell Joseon” -Joseon era o nome do altamente hierarquizado império que existiu na península até o fim do século 19-, é como os jovens passaram a chamar o país em meados da década passada em meio à falta de perspectivas sociais e econômicas.

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