domingo, 22 dezembro 2024

Projeto manda agressor de volta à sala de aula em Santa Bárbara

Os homens que agredirem mulheres terão de voltar aos bancos escolares para refletir sobre suas atitudes. Isso será possível com a implantação do programa “Tempo de Despertar”, aprovado pela Câmara de Santa Bárbara d’Oeste, em duas discussões. A proposta é romper com a cultura de violência contra as mulheres e desconstruir o machismo. A intenção é chegar às raízes da problemática social e mudar o comportamento.

O município será pioneiro na região na adoção dessa medida que visa proteger vítimas de violência doméstica. Após sanção pelo prefeito Denis Eduardo Andia (PV), será regulamentado em dois meses e colocado em prática ainda neste ano.

“Acima de tudo colocar esse pessoal em uma sala de aula, reuni-los com profissionais e promover reflexão do que está fazendo, porque está fazendo aquilo, que isso não pode fazer por ela ser mais frágil e não cabe a possibilidade de agredi-la. É outro caminho que tem de seguir”, explica o secretário de Segurança Pública, Rômulo Gobbi, ex-delegado com carreira de 40 anos.

A meta, explicou o secretário, é diminuir a reincidência do descumprimento das medidas protetivas, que é contumaz.

A coordenadora do programa Anjo da Guarda da Mulher, subinspetora Erika Fernanda Traldi, diz que o agressor terá de cumprir a carga horária com aulas como se fosse uma pena.

Os agressores serão encaminhados pelo Ministério Público e pela Justiça. As aulas serão realizadas na Academia da Guarda Civil, na sede da corporação, no Jardim Pérola.

REGULAMENTAÇÃO

A regulamentação definirá detalhes como horas de aulas, profissionais e protocolo de atendimento. “Vamos fazer atividades lúdicas e até formatura com celebração diferente”, explicou o ex-delegado sobre a proposta.

“Ele vai poder desabafar, chorar, falar. Ali que vai pegar o ponto fraco dele para fazer essa reversão”, resumiu o secretário.

Fernanda ressalta que será o momento de ouvir o outro lado. Fatores sociais e culturais explicam a violência contra a mulher, como o machismo, mas homens que também sofrem agressões na infância podem replicar esse comportamento nos relacionamentos. Sem contar ingredientes como abuso de bebidas alcoólicas e drogas.

AMERICANA TAMBÉM QUER

A presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Americana, Léa Amábile, disse que é intenção da diretoria criação de programa semelhante ao de Santa Bárbara.
O Conselho passará por mudança em sua composição e eleição da nova diretoria, no mês que vem.

HORTOLÂNDIA

A Secretaria de Governo de Hortolândia informou que atualmente reestrutura o serviço de atendimento às mulheres em situação de violência. Não há um serviço como o que será implantado em Santa Bárbara d’Oeste.

Os casos de violência contra a mulher são atendidos em Hortolândia no Cram (Centro de Referência e Atendimento à Mulher em Situação de Violência Doméstica) Débora Regina Leme dos Santos.

O espaço foi criado em 2017 e está sediado na Rua Alberto Gomes, 18, no Jardim das Paineiras, na região central.

No Cram, a vítima recebe atendimento prestado por equipe multiprofissional, composta por assistente social, advogada, psicóloga, GMs (Guardas Municipais) e agentes administrativos. Em breve, o Cram será ampliado com recursos de emenda parlamentar de R$ 1 milhão.

EM 2 ANOS, 157 MEDIDAS PROTETIVAS

Santa Bárbara também foi pioneira na implantação do programa Anjo da Guarda da Mulher. Ele protege as mulheres vítimas de violência doméstica que obtêm medidas restritivas contra os agressores. Foram aplicadas 157 medidas protetivas às mulheres nos últimos dois anos.

O número de prisões por violência doméstica contra mulheres aumentou três vezes de 2018 para 2019 no município. Subiu de três para 14 casos, como informou o TodoDia na edição de domingo (23).

As medidas proíbem que os homens tenham contato físico e mandem mensagem para a mulher e familiares.

Quando a coordenadora do programa, subinspetora Erika Fernanda Traldi, assumiu, em setembro de 2019, prendeu quatro homens que descumpriram as medidas na primeira semana. Depois disso só prendeu mais dois.

O que contribui para reduzir os índices de violência contra a mulher é a certeza de que poderá ser preso em flagrante.

“Eles têm medo de ser presos. Muitas vezes o agressor é um trabalhador comum, é o padeiro, o açougueiro, o policial. O agressor é uma pessoa normal, só que ele agride a esposa. É um jogador de futebol. Não é aquele bandido que não tem medo de lei, como traficante da Rocinha”, explicou o secretário de Segurança Pública, Rômulo Gobbi.
Depois que as prisões em flagrante começaram a ser feitas ano passado, reduziu a incidência de homens que vão à casa das mulheres com medidas protetivas, informou Fernanda.

“O homem sempre nega. Não quer ser preso, mas não demonstra arrependimento”, explica Fernanda.

Antes do programa, as mulheres tinham dúvidas se os companheiros ficariam afastados, explicou a coordenadora. Hoje, sentem mais confiança. E denunciam mais, principalmente as de baixa renda.

BOTÃO DO PÂNICO

Para colocar em prática esse programa foi feito um cadastro de todas as mulheres com as medidas, registradas em um livro com nome da vítima e do agressor, endereço e telefone. A mulher recebeu um número de protocolo.

Quando o agressor desrespeita a medida, a vítima liga na Guarda, informa o número e a viatura mais próxima é acionada para atender a ocorrência. Foi uma alternativa encontrada ao botão do pânico, que era muito caro, segundo o secretário de Segurança.

A presidente do CMDM (Conselho Municipal dos Direitos da Mulher), Ione da Silva, informou que um estagiário da Área de Tecnologia da Informação está desenvolvimento um aplicativo de celular que funcionará como botão do pânico. Ao clicar no app, a vítima acionará a Guarda, em caso de descumprimento.

‘FOI UMA CONSTRUÇÃO COLETIVA’, DIZ REVERENDA

A reverenda Ione da Silva, presidente do CMDM (Conselho Municipal dos Direitos da Mulher) de Santa Bárbara d’Oeste e professora universitária, disse que este novo programa vai agregar aos demais em funcionamento.

Os agressores vão passar por um processo de conscientização e ressocialização. Onde o projeto foi implantado, houve uma queda na reincidência de 40%, diz ela.

Segundo a presidente, o programa foi criado dentro dos Conselhos, em reuniões nos bairros, nas Conferências Municipais, e era discutido havia cerca de cinco anos.
“Através desta conscientização (nas conferências), a violência doméstica contra a mulher foi tirada da invisibilidade, porque ninguém tocava nesse assunto, ninguém falava sobre isso, ficava às sombras”, explicou a reverenda. “Não é tudo sozinho. Tudo é uma construção. Foi uma construção coletiva”, explicou.

Neste ano também deve ser implementada a Coordenadoria da Mulher, para articular todas as políticas. Outra meta é implantar o Centro de Referência da Mulher, com profissionais como advogados, médicos e psicólogos para dar assistência às mulheres.

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