Quem visita o hotel Rio do Rastro, na serra catarinense, pode planejar o café da manhã usando um aplicativo ou QR Code sem sair do quarto. Com as ferramentas, dá para escolher o horário em que a refeição será servida e até pedir o ovo com a gema mole.
O recurso, desenvolvido depois da pandemia de Covid-19, atende um público crescente que busca hospedagens onde há pouco ou zero contato com outros turistas ou funcionários.
Com 18 chalés, o Rio do Rastro (diária a partir de R$ 990) tem trilhas e até um cânion na propriedade. “As pessoas acabam nem topando com outro hóspede. Acho que esse tipo de opção está valorizada, porque a demanda está bem acima do normal”, diz Roberto Sandrini Cascaes, dono.
A procura por espaços com pouca ocupação e mais natureza é uma das tendências neste momento, diz Helena Costa, coordenadora do Laboratório de Estudos em Turismo e Sustentabilidade da UnB (Universidade de Brasília).
Há uma semana, o empreendimento Kabru, em Itacaré, no sul da Bahia, reabriu para hóspedes duas casas rodeadas de mata atlântica. Um dos imóveis tem dois quartos e vista para o Rio das Contas, e o outro, com um dormitório, é elevado e fica na altura da copa das árvores – os dois estão disponíveis para locação, que inclui serviço.
Assim que os agendamentos começaram, as reservas (a partir de R$ 1.100 por noite, com café da manhã e mínimo de três dias) se esgotaram até o meio de outubro.
“Nunca vi as casas serem tão requisitadas nesta época do ano. Acho que oferecemos o que as pessoas querem agora: isolamento, natureza e serviço”, afirma o suíço Patrick Armbruster, dono.
Cliente do Botanique, em Campos do Jordão (interior de São Paulo), a empresária Amanda Almeida Sukarie, 42, visitou o local duas vezes na pandemia. Para ela, as adaptações feitas pelo hotel de luxo, que já oferecia privacidade, ajudaram a aumentar a sensação de segurança.
O menu do restaurante passou a ser servido no quarto – dá para pedir que as etapas do cardápio sejam entregues uma de cada vez. E o café da manhã, que já era oferecido no dormitório, não é mais arrumado à mesa por funcionários.
Paradoxalmente, os viajantes que querem isolamento procuram estar conectados: a internet se transformou em item essencial na hora da escolha. “Não ligam mais perguntando se o quarto tem lareira, querem saber se tem internet para home office”, conta Fernanda Ralston Semler, dona do Botanique (diárias a partir de R$ 2.500).
LAZER E TRABALHO
Com o distanciamento social, ficaram menos claras as fronteiras entre o turismo de lazer e uma viagem em que a pessoa passeia e trabalha.
“É o que é possível neste momento, e há a possibilidade de ficar períodos mais longos por causa do home office”, diz Helena Costa, da UNB.
A Quinta dos Pinhais, em Santo Antônio do Pinhal (interior de São Paulo), reforçou a internet na casa de campo, imóvel de aluguel com piscina e cozinha que fica à parte da área comum da pousada.
Muitos hóspedes têm feito estadias longas ali e, durante a semana, estudam e trabalham.
Desde o início da pandemia, a pousada viu subir a demanda pela casa e por chalés que têm piscina própria.
As adaptações para receber visitantes que priorizam o isolamento foram mais rápidas em empreendimentos de luxo, mas também há opções mais acessíveis, diz Costa.
Com uma gama variada de preços, o Airbnb sentiu alta na demanda por casas no campo e em cidades de praia menores, localizadas em um raio de 300 km de centros urbanos.
Para facilitar a pesquisa, o site foi atualizado para mostrar alternativas próximas do usuário, incluindo opções fora de destinos populares.
Com o aumento na procura, encontrar um imóvel com essas características requer antecedência. Foi o que notou o publicitário Túlio Bragança, 38, que viajou três vezes para a Serra da Mantiqueira.
Em julho, quando fez a segunda viagem, descobriu que muitas casas que costumava encontrar no Airbnb já não estavam disponíveis – optou por uma em Cambuí (MG), cidade que ainda não conhecia.
No mesmo mês, a designer Heloisa Galvão, 44, percebeu que seria melhor adiar suas férias para agosto, quando conseguiu encontrar um local isolado e rodeado de natureza.
Ela ficou hospedada em São Francisco Xavier (SP), em uma propriedade com jardim, trilha e cachoeira. Antes de ir, pediu para a proprietária que o espaço ficasse vazio por alguns dias. Ela e a família fizeram passeios pela cidade e por trilhas, mas sempre de carro – só foram ao centro comprar alimentos frescos.
O planejamento é fundamental para quem quer ficar isolado, sem facilidades urbanas como delivery.
A produtora de conteúdo Lilian Sá, 43, cozinhou e congelou a maior parte das refeições que consumiu em três viagens que fez a uma casa em um bairro afastado do centro de Campos do Jordão.
A família passou todo o tempo no espaço, onde era possível ver o pôr do sol e fazer fogueira.
Acostumada ao turismo em destinos urbanos, Lilian transformou sua relação com viagens na quarentena e deu mais espaço à contemplação. “Me descobri querendo uma roça, uma horta. A pandemia nos colocou em contato com coisas que a gente não sabia que queria”, diz.