Por Guadêncio Torquato
No campo da análise política nesses tempos de pandemia, alguns fenômenos se fazem sentir, como o aparecimento de uma nova cepa do populismo de direita, a intensificação da polarização, os vieses que cercam a discussão sobre liberdade de expressão, todos contribuindo para adensar uma era de ressentimentos. Essa teia fenomenológica, exposta por cientistas políticos, com destaque para Francis Fukuyama, o famoso pregador do “fim da História”, conservador e especialista em relações internacionais da Universidade Stanford (EUA), puxa da gaveta fantasmas que pensávamos definitivamente mortos, como o totalitarismo representado pela aproximação ideológica entre China e Rússia.
No pano de fundo, desenha-se a decadência da democracia norte-americana, a maior do planeta. O fato é que o mundo, na percepção de Fukuyama, convive com a ameaça de conflitos nunca d’antes vistos e hipóteses aparentemente absurdas, como uma nova guerra civil nos EUA, coisa até então impensável. Pesquisas atestam que uma minoria significativa dos norte-americanos aceita a ideia de atos violentos contra o governo.
O professor Samuel P.Huntignton, de Harvard, já descrevia, em seu livro “O Choque das Civilizações”, uma paisagem que flagra o “paradigma do caos”: “quebra da lei e da ordem, Estados fracassados e anarquia crescente, onda global de criminalidade, máfias transnacionais e cartéis de drogas, declínio na confiança e na solidariedade social, violência étnica, religiosa e civilizacional e a lei do revólver.” Partia do pressuposto que essa moldura se apresentaria no painel de duas civilizações em conflito, a ocidental, e a de feição muçulmano-fundamentalista.
Os conflitos que ameaçam a vida no planeta são periodicamente lembrados, aqui e ali, em livros, ensaios, entrevistas e documentários sobre os tênues limites do processo civilizacional e sinais apontando para ruptura de seus eixos. O atual momento parece ser o mais sensível e instigante das últimas décadas para um olhar sobre as ameaças às democracias.
E é nesse território nebuloso, cheio de tormentas e hoje vivenciando uma das maiores catástrofes da história, que agem dirigentes e mandatários, muitos elevados aos cargos pela vontade do povo, outros sustentados por um populismo com toques de agrado ao coração das massas.
Infelizmente, a semente da árvore populista encontra áreas para se expandir em instantes críticos da Humanidade. Parece exagero? Não. A Humanidade pede socorro. A pandemia tende a ser dominada pela ciência, mas os vírus que ceifam vidas não irão embora. Vamos conviver com eles por tempos. As mentiras produzem camadas de desinformação e ignorância. A liberdade de expressão ganha vieses. No afã de perpetuar seus mandos, governantes usam de artimanhas e dribles, manobrando com recursos e floreios para ganhar o aplauso das ruas. Tal conjunto de mazelas acaba sendo um corrosivo poderoso que fragiliza os corpos democráticos.
A ciência, negada por alguns, continuará sua trajetória de descobertas. Trata-se da luz no fim do túnel, a esperança dos povos, a argamassa para construção dos dutos civilizatórios. Mas não podemos e não devemos permitir que seja usada para beneficiar os donos do poder. E jamais usada como ferramenta para atiçar a política de ressentimentos, como a que se vê, por exemplo, na defesa/ataque aos processos identitários. Inventam-se, até, figuras estrambóticas, como essa do “racismo reverso”, que acirram ânimos de comunicadores e intelectuais. Que os palanques eleitorais em nossas plagas abriguem um discurso de bom senso.