domingo, 5 maio 2024

Entre Deus e o Diabo

Por André Luís Pereira, teólogo e psicanalista
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Por André Luís Pereira
Foto: Divulgação

Há alguns dias ouvi a seguinte afirmação: “Não tenho medo do diabo, tenho medo de Deus, pois reconheço o seu poder e a força da sua ira”. Essa afirmação me fez lembrar de um livro clássico do protestantismo: “Pecadores nas mãos de um Deus irado”, do evangelista Jonathan Edwards.

Tanto a afirmação quanto o tema do livro me causaram repulsa. Fiquei indagando, quando ouvi a frase e quando me apresentaram o livro: “medo de Deus? Ira de Deus? Deus irado?”

Fiquei pensando que, conforme bem pontuou o teólogo José Maria Mardones, é urgente e necessário “limpar” a imagem de Deus construída por diversas vertentes do cristianismo. Que imagem mais distorcida! É como se, na narrativa bíblica, a cruz fosse mera teatralização do divino para se tornar o coitado ou o bonzinho da história. Mas, a grande verdade é que, mesmo que fosse isso, ele não seria nem o coitado e nem o bonzinho, pois, pra muitos, “Deus se agradou em moer seu filho na cruz”.

Essas construções equivocadas acerca da pessoa de Deus, me parece, ter seu ancoradouro numa teologia sistemática produzida com pouquíssima ética, empobrecendo a imagem de Deus, fazendo sobressair a desgraça humana, e inserindo a figura diabólica apenas para carregar a tiraneidade do único tirano nesse tipo de teologia, a saber, Deus.

Que Deus é este que, mesmo sendo revelado na pessoa de Jesus, reconhecido como a encarnação do amor, tem espaço em si mesmo para a ira e para o amedrontamento? O apóstolo que define Jesus como sendo amor é o mesmo que afirma que o amor lança fora o medo. Então, como ter mais medo de Deus do que do diabo? Não deveríamos ter medo de nenhum dos dois. Não deveríamos temer o Maligno porque somos filhos amados de Deus; não deveríamos temer a Deus pela mesma razão.

Deus nos ama, e ponto final. O seu amor é uma decisão pessoal, ou seja, não é baseado em qualquer relação ou ação meritocrática de nossa parte. Ele ama, por decisão espontânea.

Talvez alguém diga: “mas e os massacres realizados em nome de Deus nos diversos livros do Antigo Testamento?” Respondo que no Novo Testamento, no qual Jesus revela a imagem Deus ao mundo, é dito que Jesus “é a imagem do Deus invisível, a exata expressão de Deus Pai”; é dito, pelos lábios de Jesus que: “Quem vê a mim vê aquele que me enviou. Eu e o Pai somos um”; nas páginas do Novo Testamento é afirmado ainda que: “o Filho é o resplendor da glória de Deus e a expressão exata do seu ser”.

Portanto, na minha perspectiva teológica, o que se vê em Jesus é o que o Deus Pai é. No passado, infelizmente, os homens não tiveram condições de percebê-lo, muito embora, mesmo num tempo no qual a Lei imperava, a graça também tenha se manifestado generosamente. O problema é que, como aconteceu em toda a história das religiões, guerras santas foram convocadas em nome de Deus e, por isso, quando da revelação de Jesus, o seu povo não o reconheceu. O povo apenas reconhecia o Senhor dos Exércitos e não um Deus vulnerabilizado na forma humana.

É necessário resgatar a real imagem de Deus, caso contrário, ele continuará a ser mais temido do que o Diabo.

Deus é amor. Em Jesus ele é exatamente revelado. Que alívio! Que graça irresistível! Que amor incondicional! A Ele a glória para sempre. Amém.

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