quinta-feira, 26 dezembro 2024

Pacificação do país exige trabalho e rigor sem revanchismo

Por Samuel Hanan é engenheiro com especialização nas áreas de macroeconomia, administração de empresas e finanças, empresário, e foi vice-governador do Amazonas (1999-2002). Autor dos livros “Brasil, um país à deriva” e “Caminhos para um país sem rumo”.

A polarização atual, com a divisão do país entre bolsonaristas e lulistas – ou entre verde-amarelos e vermelhos, ou ainda, entre direita e esquerda – definitivamente não faz bem ao Brasil. Tampouco contribui para a governabilidade e para a democracia. Pelo contrário: somente alimenta o sectarismo e a cizânia entre o povo brasileiro, semeia a discórdia e o ódio entre cidadãos que, apesar das convicções ideológicas distintas, sofrem com os mesmos problemas em uma nação ainda carente de soluções visando à eliminação das desigualdades regionais e sociais e de um rumo para a retomada do desenvolvimento econômico e humano.

A alimentação dessa dicotomia pode ser atribuída a muitos dos políticos, à parte significativa da imprensa e mesmo a uma parcela do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e do Ministério Público. Entretanto, mais importante que tudo é a manutenção do funcionamento das instituições e a preservação do estado democrático de direito.

Os atos condenáveis do domingo, 8 de janeiro, em Brasília, podem e devem ser considerados como atentados à democracia, verdadeiros atos de terrorismo. Contra eles, as autoridades precisam agir com firmeza, porém sem a truculência demonstrada por quem invadiu o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal, com violência e destruição. O momento exige ação com total respeito às leis. Aparições midiáticas são igualmente condenáveis, vez que podem se transformar em combustível para fomentar a indesejável divisão entre brasileiros.

É preciso ponderar que o novo governo se elegeu democraticamente, por meio de eleições livres e diretas. Por outro lado, não se pode ignorar – nem tolerar o contrário – que o presidente, ainda em campanha e depois, no discurso como já empossado, prometeu um governo de união nacional, voltado a todos os brasileiros (inclusive os que votaram em outros candidatos) e formado por uma frente ampla, sem predominância ideológica.

Convém ressaltar também que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mesmo vencedor nas urnas, ainda precisa conquistar grande parte da população porque foi eleito com menos de 40% dos eleitores aptos a votar. Basta lembrar que o segundo turno registrou a menor diferença da história entre os candidatos que disputaram o pleito: apenas dois milhões de votos. Uma tarefa árdua, portanto.

Nessa missão, o presidente precisa urgentemente orientar seus ministros – grande parte deles parlamentares e com experiência política – no sentido de evitarem pronunciamentos e entrevistas sobre temas alheios às suas áreas de atuação. Os membros do primeiro escalão do governo precisam agir sempre com o objetivo de buscar a unidade nacional e não mais priorizando suas próprias correntes ideológicas e/ou partidárias e, muito menos, tendo como foco futuras eleições.

Cabe ao presidente administrar bem o risco que assumiu ao formar um Ministério com 37 cadeiras, tendo mais de 43% delas ocupadas por parlamentares de diferentes partidos, predominantemente filiados de sua própria legenda, o PT, com 27% do total de ministros.

O problema vivido hoje é político e sua solução definitiva precisa contar com a participação efetiva do Legislativo, notadamente porque a partir de fevereiro a Câmara terá 39% de sua composição formada 39% por deputados federais novatos, enquanto o senado será renovado em pouco mais de 6% de suas cadeiras.

O Judiciário agiu com rapidez e firmeza, no entanto pode colaborar ainda mais, evitando entrevistas em excesso e decisões monocráticas, privilegiando decisões colegiadas (pelo Tribunal pleno) e reservando, quando necessário, a comunicação por meio dos presidentes das cortes.

Para a superação dessa crise é preciso atuar com espírito republicano. O rigor da lei e a apuração acurada das responsabilidades não implica revanchismo, radicalização ou condenações sumárias. São imprescindíveis o equilíbrio e o respeito ao devido processo legal e aos demais princípios constitucionais, ainda que tudo isso tenha sido ignorado por aqueles que promoveram, incitaram ou financiaram os atos violentos na Praça dos Três Poderes, em verdadeiro atentado às instituições.

É hora de governar, de trabalhar para todos os 215 milhões de brasileiros e de pacificação, reconduzindo o país à normalidade cívica.

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