domingo, 28 abril 2024

Viver Dói

Por André Luís Pereira, teólogo e psicanalista
Por
André Luís Pereira
Foto: Arquivo Pessoal

Quem é que não concorda com o tema desta reflexão? Verdadeiramente, viver dói. Dói desde útero materno, quando, nas últimas semanas da gestação, ficamos comprimidos ao ponto do desconforto fazer com que queiramos sair daquele que nos parecia o melhor lugar do mundo; mas no útero materno pode ainda ser dolorido quando a gestação não é aceita, quando a mãe não tem condições de estabelecer vínculo com o bebê em formação; quando a vida da mãe é, também, de uma dor insuportável. Dizem que ao nascer o médico nos dá uma palmada terapêutica e, então, provamos uma nova dor. Enfim, a vida dói.

Sei que há pessoas e teorias que romantizam a vida, seja pelos vieses da autoajuda, poesia ou da religião. De fato, a vida não é só dor, há confortos em alguns poucos momentos.

Porém , dizer que viver dói não implica em dizer que é ruim viver, ou que a vida é um peso. Dizer que viver dói talvez seja uma forma de colocarmos os pés no chão e, assim, considerarmos a realidade de cada dia.

Jesus disse: “venham a mim todos os que estão cansados e sobrecarregados”, ao dizer isso, entendo que ele não se refere a um restrito grupo de pessoas, mas se refere a todos os seres humanos, uma vez que todos nós, independentemente da época, estamos cansados e sobrecarregados.

É preciso firmar os pés no chão e olhar pra vida de forma menos romantizada, com menores expectativas em relação ao outro e às dividas que acreditamos que os outros nos devem. A vida limita-se a nós e nós mesmos. Somos responsáveis por essa construção. Se não damos conta de nos posicionarmos, o problema não é o outro e nem do outro, é sempre nosso. E esta constatação, por si só, já dói demais.

Por outro lado, com aquilo que dói podemos reconhecer, aprender, compreender, acolher, e ressignficar. A dor, além de desconfortos, também gera aprendizagens, amadurece, enrijece e flexibiliza, por isso a importância de reconhecê-la, observá-la mais atentamente , refletir sobre ela, e, quando possível, tentar fazer as pazes com ela, pois sem isto, adoecemos psíquica, física e espiritualmente.

Para muitas das dores que sentimos no corpo buscamos médicos, remédios e tratamentos, assim, creio que seja necessário que façamos o mesmo quando falamos das dores emocionais impostas por nossas vivências. Portanto, submeta suas angústias a um espaço terapêutico de escuta técnica, acolhimento e cuidado. É óbvio que as dores da vida não cessarão, visto que a cada dia temos nossa difícil labuta, porém, estando sob cuidado emocional poderemos adquirir melhores condições de entendimento dos processos e das nossas formas de reação a eles, e quem sabe, com o tempo e autoconhecimento, uma melhor capacidade de enfrentamentos.

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