Um dia após o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) voltar a atacar a China ao sugerir que a Covid-19 faz parte de uma estratégia de guerra biológica do país asiático, Pequim afirmou nesta quinta (6) que se opõe “a qualquer tentativa de politizar e estigmatizar o vírus”.
A declaração foi dada pelo porta-voz do Ministério de Relações Exteriores chinês, Wang Wenbin, em resposta a uma pergunta de um repórter da agência de notícias francesa AFP exatamente sobre a fala do presidente brasileiro.
“O vírus é o inimigo comum da humanidade. A tarefa mais urgente agora é que todos os países deem as mãos em uma cooperação contra a pandemia e lutem por uma vitória rápida e completa sobre a epidemia”, respondeu ele durante sua entrevista coletiva semanal em Pequim.
Na quarta (5), Bolsonaro insinuou que Pequim teria se beneficiado economicamente da pandemia e afirmou que a Covid pode ter sido criada em laboratório -ecoando uma tese que não encontra respaldo em investigação da OMS (Organização Mundial da Saúde) sobre as possíveis origens do vírus.
“É um vírus novo, ninguém sabe se nasceu em laboratório ou por algum ser humano [que] ingeriu um animal inadequado. Mas está aí. Os militares sabem que é guerra química, bacteriológica e radiológica. Será que não estamos enfrentando uma nova guerra?”, disse o presidente em evento no Palácio do Planalto, em Brasília. “Qual o país que mais cresceu seu PIB? Não vou dizer para vocês.”
Ben Embarek, que lidera uma equipe de investigação da OMS (Organização Mundial da Saúde) sobre as origens do coronavírus, já afirmou que a hipótese de que o vírus “vazou” de um laboratório é “extremamente improvável”. A versão também é refutada por autoridades chinesas. Acredita-se, na verdade, que o coronavírus tenha sido transmitido diretamente de um animal silvestre para um humano ou que o patógeno tenha circulado primeiro entre uma espécie intermediária antes de infectar uma pessoa.
Mais tarde na própria quarta, Bolsonaro disse que não havia citado os chineses nas declarações no Palácio do Planalto.
“Eu não falei a palavra China no meu discurso. Sei o que é guerra bacteriológica, guerra química, guerra nuclear porque tenho formação. Só falei isso, mais nada”, disse ele no Aeroporto Internacional do Galeão, no Rio.
O presidente, contudo, cobrou os jornalistas pela publicação de outras informações sobre as origens do patógeno. “Mas vocês da imprensa não falam onde nasceu o vírus. Falem. Ou estão temendo alguma coisa?”.
Ainda que a China tenha anunciado em janeiro crescimento de 2,3% no PIB em 2020, sendo um dos poucos países do mundo a registrar expansão da economia em meio à pandemia, o avanço foi o mais fraco para o país asiático em mais de 40 anos.
Bolsonaro não é a única autoridade do governo brasileiro a sugerir que o vírus foi criado artificialmente pelos chineses. Na semana passada, o ministro Paulo Guedes (Economia) afirmou numa reunião que “o chinês inventou o vírus”. Posteriormente, ele pediu desculpas. No cenário global, esse discurso também foi amplamente utilizado pelo ex-presidente americano Donald Trump.
Os ataques à China estiveram no centro da pressão política que resultou na demissão do ex-chanceler Ernesto Araújo. A retórica anti-China do hoje ex-ministro foi apontada como um obstáculo para o Brasil conseguir a liberação de insumos de vacinas do país asiático, um dos principais fornecedores no mundo.
Num bate-boca nas redes sociais entre o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e o embaixador da China no Brasil, Yang Wanming, por exemplo, Ernesto saiu em defesa do filho do presidente. O então chanceler chegou a enviar a Pequim um pedido para que o diplomata chinês fosse retirado do Brasil –acabou ignorado. Desde então, interrompeu qualquer interlocução com a missão chinesa em Brasília.
Carlos França, que substituiu Ernesto, tem tentado desfazer o mal-estar com os chineses, mas as recentes declarações de Bolsonaro e de Guedes têm potencial de renovar os atritos com Pequim.